Há quem não reconheça o escritor escocês Arthur Conan Doyle
pelo nome, mas é bem difícil encontrar alguém que jamais tenha ouvido falar do
personagem mais famoso inventado por ele: Sherlock Holmes. Os romances
policiais estrelados pelo detetive garantiram ao seu criador um lugar de
destaque na história da literatura. O que pouca gente sabe, no entanto, é que
Conan Doyle, além de brilhante romancista, também foi um dos mais aguerridos
divulgadores do espiritismo.
Oriundo de uma família católica e educado por jesuítas, Conan Doyle nada tinha de espírita até os 28 anos de idade. Ao contrário! Depois de se formar médico, em 1882, revelou-se um tremendo materialista. Renunciou não apenas ao catolicismo mas a toda e qualquer religião, passando a se autodenominar agnóstico - aquele que se julga incapaz de afirmar se Deus existe ou não.
Tudo mudou em 1887. Depois de visitar o amigo Alfred Wilkes Drayson, um
importante astrônomo convertido ao kardecismo, Doyle voltou para casa quase
convencido de que a existência de vida após a morte era um fato. "Ele não
era homem de aceitar facilmente as coisas", afirma a pesquisadora Maria
Aparecida Romano, em artigo publicado na Revista Cristã de Espiritismo.
"Mas, diante dos seguros argumentos apresentados por Drayson, foi levado a
meditar e ler algumas obras espíritas. Em pouco tempo, estava familiarizado com
as verdades da nova doutrina."
Espiritismo, àquela altura, já não era novidade. O Livro dos Espíritos, no qual
Allan Kardec estabelece os princípios da doutrina, já circulava havia 30 anos.
Mas demonstrações de mediunidade, como as famosas sessões de mesas girantes,
continuavam mobilizando corações e mentes. Doyle passou a frequentá-las.
Numa dessas reuniões, ainda desconfiado de que tudo não passava de trambique,
perguntou às entidades que ali se manifestavam: "Quantas moedas tenho no
bolso?" Ouviu como resposta uma desconcertante reprimenda: "Estamos
aqui para instruir e elevar as almas, não para fazer adivinhações". Dali
em diante, Doyle se entregaria ao estudo de fenômenos supostamente espirituais.
E não apenas se converteria ao espiritismo. Ele se transformaria numa espécie
de soldado da doutrina.
Nas décadas seguintes, o escritor alcançaria fama mundial com as aventuras de
Sherlock Holmes. E colocaria todo o prestígio amealhado com elas a serviço de
sua nova crença. Doyle atraiu multidões a dezenas de palestras doutrinárias. De
1915 em diante, praticamente abandonou a ficção - passou a escrever apenas
obras espíritas. A mais conhecida, História do Espiritismo (Pensamento), é um
clássico - até hoje considerada um dos mais completos relatos sobre a origem e
o desenvolvimento da doutrina. "Dada a projeção de seu nome", diz a
pesquisadora Maria Aparecida, "deve-se a Arthur Conan Doyle parte da
penetração do espiritismo em muitos países, notadamente aqueles de língua
inglesa."
Elementar, meu caro Doyle...
Acusado de enaltecer o ocultismo, escritor foi censurado na União Soviética
O envolvimento de Arthur Conan Doyle com o espiritismo rendeu problemas para
quem não tinha nada a ver com isso: o detetive Sherlock Holmes, seu personagem
de ficção mais famoso. Em 1929, a série de contos intitulada As Aventuras de
Sherlock Holmes foi proibida na União Soviética, que acabava de comemorar os
primeiros dez anos de revolução comunista. Tudo porque em outra obra, História
do Espiritismo, Doyle louvava fenômenos supostamente espirituais produzidos por
médiuns como Eusapia Palladino. O escritor acabou acusado por Stálin de fazer
propaganda do ocultismo, algo incompatível com o ateísmo de Estado que vigorava
naquele país.
Conan Doyle escreveu mais de sessenta livros sobre espiritismo, incluindo A História do Espiritismo, um tomo de dois volumes publicado em 1924. Ele também desenvolveu uma forte amizade com Harry Houdini que, além de acreditar na vida após a morte, também se dedicava a desmascarar golpistas que queriam lucrar com o movimento espírita. O relacionamento entre Conan Doyle e Houdini chegou a um amargo fim quando o escritor convidou o ilusionista para uma sessão privada, durante a qual a mulher de Conan Doyle, Jean, alegou ter entrado em contato com a mãe de Houdini. O problema foi que a mensagem teve início com o sinal da cruz, o que seria impossível, já que o espírito em questão tinha sido esposa de um rabino. Acreditando ter sido vítima de uma farsa, Houdini se ressentiu profundamente.
Em julho de 1930, uma semana após a morte de Conan Doyle, milhares de pessoas participaram de uma sessão espírita no Royal Albert Hall em que um médium alegou ter se comunicado com ele.
Quatro anos depois, em 28 de abril de 1934, uma sessão espírita realizada por Noah Zerdin no Aeolian Hall, New Bond Street, em um auditório com capacidade para 560 pessoas, registrou contato com 44 espíritos e Conan Doyle teria sido um deles. A famosa sessão realizada no Aeolin Hall foi gravada em 26 discos de acetato que ficaram guardadas por décadas até que, em 2001, foram reveladas por Dan Zerdin, filho de Noah.
Fonte. Revista Aventuras na História