O Novo Testamento contém 27 livros, 7 956 versículos e 138
020 palavras. E uma única referência à juventude de Jesus. O Evangelho de Lucas
nos conta que, aos 12 anos, ele viajou com os pais de Nazaré a Jerusalém para
celebrar o Pessach, a Páscoa judaica. Quando José e Maria retornavam a Nazaré,
perceberam que Jesus tinha ficado para trás. Procuraram o garoto durante 3 dias
e decidiram voltar ao Templo, onde o encontraram discutindo religião com os
sacerdotes. "E todos que o ouviam se admiravam com sua inteligência"
(Lucas 2:42-49).
Isso é tudo. Jesus só volta a aparecer no relato bíblico já adulto, por volta dos 30 anos, ao ser batizado no rio Jordão por João Batista. É quando o conhecemos realmente. Da infância, as Escrituras falam sobre o nascimento em Belém, a fuga com os pais para o Egito - para escapar de uma sentença de morte impetrada por Herodes, rei dos judeus - e a volta para Nazaré. Da vida adulta, o ajuntamento dos apóstolos e a pregação na Galileia, além do julgamento e da morte em Jerusalém. Mas o que aconteceu com Jesus entre os 12 e os 30 anos? Qual foi sua formação, o que moldou seu pensamento nesses 18 "anos ocultos"? Afinal, o que ele fez antes de profetizar na Galileia?
A notícia para quem deseja reconstruir o Jesus histórico é que novas análises
dos Evangelhos, documentos históricos e achados arqueológicos nos dão pistas
sobre a sociedade da época. E dessa forma podemos chegar mais perto de conhecer
o homem de Nazaré. E entender o que passava em sua cabeça.
Uma coisa é certa. Aos 13 anos, Jesus celebrou o bar mitzvah, ritual que marca
a maioridade religiosa do judeu. E é bem provável que ele tenha seguido a
profissão de José, seu pai. Carpinteiro? Talvez não. "Em Marcos, o mais
antigo dos Evangelhos, Jesus é chamado de tekton, que no grego do século 1
designava um trabalhador do tipo pedreiro, não necessariamente
carpinteiro", diz John Dominique Crossan, um dos maiores especialistas
sobre o tema. Para o historiador, os autores de Mateus e Lucas, que se basearam
em Marcos, parecem ter ficado constrangidos com a baixa formação de Jesus. E
deram um jeito de melhorar a coisa. Mateus (13:55) diz que o pai de Jesus é que
era tekton. E Lucas omitiu todo o versículo.
As mesmas passagens de Marcos e Mateus informam que Jesus tinha 4 irmãos
(Tiago, José, Simão e Judas), além de irmãs (não nomeadas). Mas dá para ir mais
longe a partir dessa informação. "Se os nomes dos Evangelhos estão
corretos, a família de Jesus era muito orgulhosa da tradição judaica. Seus 4
irmãos tinham nomes de fundadores da nação de Israel", diz a historiadora
Paula Fredriksen, da Universidade de Boston. "Seu próprio nome em
aramaico, Yeshua, recordava o homem que teria sido o braço direito de Moisés e
liderado os israelitas no êxodo do Egito, mais de mil anos antes."
Assim, a família teria pelo menos 9 pessoas, mas nem por isso era pobre. Nazaré
ficava a apenas 8 km de Séforis - um grande centro comercial onde o rei
Herodes, o Grande, governava a serviço de Roma. Com a morte dele, em 4 a.C.,
militantes judeus se revoltaram contra a ordem política. Deu errado: o general
romano Varus chegou da Síria para reprimir os rebeldes. E seu amigo Gaio
completou o serviço, queimando a cidade. "Homens foram mortos, mulheres
estupradas e crianças escravizadas", diz Crossan. Mas a destruição de
Séforis teve um lado positivo: Herodes Antipas, filho do "o Grande",
transformou o lugar num canteiro de obras. Isso trouxe uma certa abundância de
empregos para a região. Um pequeno boom econômico. Então o ambiente ao redor da
família de Jesus não era de privações. "A reconstrução da cidade deve ter
gerado muito trabalho para José", diz Paula Fredriksen.
Jesus nasceu no ano da destruição da cidade, 4 a.C. Ou perto disso. O Evangelho
de Mateus diz que Jesus nasceu no tempo de Herodes, o Grande (4 a.C. ou antes).
Lucas coloca o nascimento na época do primeiro censo que o Império Romano
promoveu na Judeia. E isso aconteceu, segundo as fontes históricas romanas, em
6 a.C. A única certeza, enfim, é que "foi por aí" que Jesus nasceu. E
que o ódio contra o que os romanos tinham feito em Séforis permeava o ambiente
onde ele viveu. "Não é difícil imaginar que Jesus pensou muito sobre os
romanos enquanto crescia", diz Crossan.
Na década de 20 d.C., quando Jesus estava nos seus 20 e poucos anos, o
sentimento antirromano cresceu mais ainda. Pôncio Pilatos assumiu o governo da
Judéia cometendo o maior pecado que poderia: desdenhar da fé dos judeus no Deus
único.
Mas, em vez de se unir contra o romano, os judeus se dividiram em seitas. Os
saduceus, por exemplo, eram os mais conservadores. Os fariseus eram abertos a
ideias novas, como a ressurreição - quando os justos se ergueriam das tumbas
para compartilhar o triunfo final de Deus. Os essênios viviam como se o fim dos
tempos já tivesse começado: moravam em comunidades isoladas, que faziam
refeições em conjunto seguindo estritas leis de pureza. Já os zelotes defendiam
a luta armada contra os romanos.
Em qual dessas seitas Jesus se engajou na juventude? Não há consenso entre os
pesquisadores. Para alguns, porém, existem semelhanças entre a dos essênios e o
movimento que Jesus fundaria - ambas as comunidades viviam sem bens privados,
num regime de pobreza voluntária, e chamavam Deus de "pai". Essa
hipótese ganhou força com a descoberta dos Manuscritos do Mar Morto, em 1947.
Eles trouxeram detalhes sobre uma comunidade asceta de Qumran, que viveu no
século 1 e estaria associada aos essênios. O achado ar-queológico não provou a
ligação entre Jesus e essa seita. Até porque os essênios eram sujeitos
reclusos, ao passo que Jesus foi pregar entre as massas da Galileia e
Jerusalém.
Jesus podia não ser essênio. Mas, para alguns estudiosos, seu mentor foi.
Dois dos 4 Evangelhos começam a falar de João Batista antes de mencionar Jesus.
É em Marcos e João. O homem que batizaria Cristo aparece descrito como um
profeta que se vestia como um homem das cavernas ("em pelos de
camelo") e que vivia abaixo de qualquer linha de pobreza traçável
("comia gafanhotos e mel silvestre").
Para a historiadora britânica Karen Armstrong, outra grande especialista no
tema, isso indica que João pode ter sido um essênio. A vocação "de
esquerda" que Jesus mostraria mais tarde, inclusive, pode vir da ligação
do mestre João com a "sociedade alternativa" dos essênios. "É
mais fácil passar um camelo pelo buraco de uma agulha do que entrar um rico no
reino de Deus", ele diria mais tarde.
Os Evangelhos não falam de João como mestre de Jesus. Nada disso. Ele apenas
reconhece Jesus como o Messias na primeira vez que o vê. Os textos sagrados
também informam que ele usava o batismo como expediente para purificar seus
seguidores, que deviam confessar seus pecados e fazer votos de uma vida
honesta.
Então Jesus aparece pedindo para ser batizado. Na Bíblia, esse é o primeiro
momento em que vemos o Messias após aqueles 18 anos de ausência.
Depois de purificado nas águas do rio Jordão, Jesus parte para sua vida de
pregação, curas e milagres. A vida que todos conhecem.
Para quem entende esse relato à luz da fé, isso basta. Mas é pouco para quem
tenta montar um panorama da vida de Jesus, um retrato puramente histórico de
quem, afinal, foi o homem da Galileia que sairia da vida para entrar na Bíblia
como o Deus encarnado. E uma possibilidade é que Jesus tenha sido um discípulo de
João Batista. Discípulo e sucessor.
As evidências: tal como João Batista, Jesus via o mundo dividido entre forças
do bem e do mal. E anunciava que Deus logo interviria para acabar com o
sofrimento e inaugurar uma era de bondade. Em suma: tanto um como o outro eram
o que os pesquisadores chamam de "profetas apocalípticos". E se os
Evangelhos jogam tanta luz sobre João Batista (Lucas fala inclusive sobre o
nascimento do profeta, assim como faz com Jesus), a possibilidade de que a
relação deles tenha sido mais profunda é real.
O grande momento de oão Batista na Bíblia, porém, não é o batismo de Jesus. É a
sua própria morte. Morte que abriria as portas para o nosso Yeshua, o Jesus da
vida real, começar o que começou.
João Batista podia se vestir com pele de animal e se alimentar de gafanhotos.
Mas tinha a influência de um grande líder político. Prova disso é que morreu
por ordem direta de Antipas. O Herodes júnior tinha violado o 10º mandamento da
lei judaica: "Não cobiçarás a mulher do próximo". Não só estava
cobiçando como estava de casamento marcado com a ex-mulher do irmão, Felipe.
João condenou a atitude do rei publicamente. E acabou executado.
Mateus deixa claro como Jesus, então já com seus 12 discípulos e em plena
pregação, recebeu a notícia: "Ouvindo isto, retirou-se dali para um lugar
deserto, apartado; e, sabendo-o o povo, seguiu-o a pé desde as cidades".
Logo na sequência, o Cristo emenda o maior de seus milagres. Sentido com a fome
da multidão que ia atrás dele, pegou 5 pães e dois peixes (tudo o que os
apóstolos tinham) e foi dividindo. Passava os pedaços aos discípulos, e os
discípulos à multidão. "E os que comeram foram quase 5 mil homens, além
das mulheres e crianças" (Mateus 14:21). Horas depois, no meio da madrugada,
outro milagre de primeiro escalão: Jesus apareceria para os apóstolos andando
sobre as águas.
Esses episódios, claro, são parte da vida conhecida de Jesus (ou da mitologia
cristã, em termos técnicos). Mas deixam claro: a morte de João foi importante a
ponto de ter sido seguida de dois dos grandes episódios da saga de Cristo.
O filho do pedreiro assumiria o vácuo religioso deixado pelo profeta. Agora
sim: Yeshua caminharia com as próprias pernas. E começaria a virar Jesus
Cristo. "Ele não só assumiu o manto de João, mas alterou sua doutrina. A
diferença interessante entre João Batista e Jesus Cristo é que Jesus ergueu o
manto caído de Batista e continuou seu programa mudando radicalmente sua
visão", diz Crossan.
Ele continua: "João dizia que Deus estava chegando. Mas João foi executado
e Deus não veio". Ou seja: para o pesquisador, Jesus teria ficado tão
chocado ante a não-intervenção divina que mudou sua visão sobre o que o Reino
de Deus significava.
"João Batista havia imaginado uma intervenção unilateral de Deus. Jesus
imaginou uma cooperação bilateral: as pessoas deveriam agir em combinação com
Deus para que o novo reino chegasse", diz o pesquisador. Ou seja: não
adiantaria esperar de braços cruzados. O negócio era fazer o Reino dos Céus
aqui e agora. Como? Primeiro, extinguindo a violência. Mas e se alguém me der
um soco, senhor? "Ao que te ferir numa face, oferece-lhe também a
outra" (Lucas 6:29). Depois, amando ao próximo como a ti mesmo, ajudando
ao pior inimigo se for necessário, como fez o bom samaritano da parábola
famosa... Em suma, a essência da doutrina cristã.
Agora, um aparte: chamar de "anos ocultos" apenas a juventude de
Jesus é injustiça. O nascimento também é uma incógnita completa. A começar pela
data de nascimento: 25 de dezembro era a data em que os romanos celebravam sua
festa de solstício de inverno, a noite mais longa do ano. Não porque gostassem
de noites sem fim, mas porque ela marcava o começo do fim do inverno.
Praticamente todos os povos comemoram esse acontecimento desde o início da
civilização - nossas festas de fim de ano, a semana entre o Natal e o Ano-Novo
são um reflexo disso. O dia em que Jesus nasceu não consta na Bíblia - foi uma
imposição da Igreja 5 séculos depois, para coincidir o nascimento do Messias com
a festa que já acontecia mesmo - com troca de presentes e tudo.
"Na verdade, não sabemos nada histórico sobre Jesus antes de sua vida
pública, já que os dois primeiros capítulos de Mateus e Lucas [os que relatam o
nascimento] são basicamente parábolas, não história", diz Crossan. De
acordo com Mateus, José soube num sonho que Maria daria à luz um menino
concebido pelo Espírito Santo. Quando Jesus nasce, magos surgem do Oriente e
seguem uma estrela que os conduz a Jerusalém. Lá, eles ficam sabendo que o Cristo
nasceu em Belém. Seguindo a estrela, os magos chegam à cidade para adorar o
menino e lhe regalam com ouro, incenso e mirra. Mas Herodes fica perturbado com
o nascimento e manda soldados matarem todos os bebês de até 2 anos em Belém.
Assim, José foge com a família para o Egito e depois vai morar em Nazaré, na
Galileia, onde Jesus é criado.
"Não há nenhum relato, em qualquer fonte antiga, sobre o rei Herodes
massacrar crianças em Belém, ou em seus arredores, ou em qualquer outro lugar.
Nenhum outro autor, bíblico ou não, menciona isso", diz o teólogo
americano Bart D. Ehrman no livro Quem Foi Jesus? Quem Jesus Não Foi?
No relato de Lucas, o anjo Gabriel vai à casa de Maria, em Nazaré, e lhe avisa
que daria à luz um futuro rei. E que o "Filho de Deus" se chamaria
Jesus. Maria era uma virgem prometida a José, e o anjo lhe explicou que o filho
seria gerado pelo Espírito Santo. Lucas diz que naquela época, "quando
Quirino era governador da Síria", um decreto do imperador Augusto obrigou
os súditos a se registrar no primeiro censo do Império. Todo mundo devia
retornar à cidade de origem para se alistar. Como os ancestrais de José eram de
Belém, ele foi com Maria grávida para lá. Jesus nasceu em Belém pouco depois, e
foi envolvido em panos na manjedoura. Lá o menino recebeu a visita de pastores
e foi circuncidado aos 8 dias, para depois passar a infância em Nazaré.
"Os problemas históricos em Lucas são ainda maiores", diz Ehrman.
"Temos registros do reinado de Augusto, e em nenhum deles há referência a
um censo para o qual todos teriam de se registrar retornando ao lar dos
ancestrais."
Ok, mas afinal por que Mateus e Lucas fazem Jesus nascer em Belém? Bom, de
acordo com uma profecia do livro de Miqueias, do Antigo Testamento, o salvador
viria de lá. Por que de lá? Porque era a cidade do rei Davi, o mais lendário
dos soberanos de Israel.
Depois que o general Pompeu invadiu a Judeia, em 63 a.C., e fez dela província
do Império Romano, os profetas passaram a dizer que um rei da linhagem de Davi
inauguraria o "reino de Deus". Chamavam essa figura de "o
ungido" - já que Davi e outros reis israelitas haviam sido ungidos com
óleo. Os Evangelhos foram escritos em grego, o inglês da época. E em grego
"ungido" é christos. O Cristo tinha que nascer em Belém. Yeshua
provavelmente era de Nazaré mesmo.
Os Evangelhos, por sinal, são obra de autores desconhecidos. É apenas uma
convenção dizer que foram escritos por Marcos (secretário do apóstolo Pedro),
Mateus (o coletor de impostos), João (o "discípulo amado") e Lucas (o
companheiro de viagem de Paulo). Além disso, os escritores não foram
testemunhas oculares. "O autor de Marcos escreveu por volta do ano 70.
Mateus e Lucas, de 80. E João, no final dos 90", diz Karen Armstrong. E
claro: "Eram cristãos. Eles não estavam imunes a distorcer as histórias à
luz de suas crenças", diz Ehrman. Afinal, "evangelho" deriva da
palavra grega euangélion, que significa "boas novas". O objetivo dos
autores não era escrever a biografia de Jesus, e sim propagar a nova fé.
Levando isso em conta, chegamos a outra polêmica: os anos considerados como os
mais conhecidos da vida de Jesus também são cheios de episódios misteriosos.
Vejamos.
Talvez tenha sido em busca de audiência que Yeshua rumou com os discípulos da
Galileia para Jerusalém, por volta do ano 30 d.C. Depois de 3 anos pregando na
periferia, já seria hora de atuar no palco principal.
Jerusalém era o pivô do fermento espiritual judaico, e milhares de judeus iam
para lá na Páscoa. Os Evangelhos nos dizem que Jesus causou um tumulto no
local, destruindo as banquinhas de câmbio (que trocavam moedas estrangeiras dos
romeiros por dinheiro local cobrando uma comissão), já que seria uma ofensa
praticar o comércio em pleno Templo de Jerusalém, o lugar mais sagrado da Terra
para os judeus. Por perturbar a ordem pública, ele foi condenado à cruz. Parece
historicamente sólido, mas o episódio central do Novo Testamento também é fonte
de reinterpretações.
No julgamento, por exemplo, a multidão teria pedido que Barrabás, um assassino,
fosse solto em vez de Jesus - já que era "costume" da Páscoa. Esse
costume, porém, não é mencionado em nenhum lugar, exceto nos Evangelhos. Além
disso, Jesus pode não ter sido exatamente crucificado, mas "arvorificado".
É a teoria (controversa, é verdade) do arqueólogo Joe Zias, da Universidade
Hebraica de Jerusalém. Suas pesquisas indicam que as vítimas dos romanos eram
mais comumente crucificadas em árvores, pregando uma tábua de madeira no tronco
para prender os braços do condenado. Seja como for, não há por que duvidar de
que ele tenha sido executado. Roma usava e abusava do expediente para tentar
manter o controle das regiões que conquistava. Segundo Flávio Josefo,
historiador judeu do século 1, numa só ocasião 2 mil judeus foram executados
A história de Jesus não acaba aí, claro. "Alguns discípulos estavam
convencidos de que ele ressuscitara. E que sua ressurreição anunciava os
últimos dias, quando os justos se reergueriam das tumbas", diz Armstrong.
Para esses judeus cristãos, Jesus logo retornaria para inaugurar o novo reino.
O líder do grupo era Tiago, irmão de Jesus, que tinha boas relações com
fariseus e essênios. E o movimento se expandiu. Quando Tiago morreu, em 62,
Jerusalém vivia o auge da crise política. Em 66, romanos perseguiram os judeus
com medo de uma insurgência. Os zelotes se rebelaram e conseguiram manter as
tropas do Império afastadas por 4 anos. Com medo de que a rebelião judaica se
espalhasse, Roma esmagou os revoltosos. Em 70, o imperador Vespasiano sitiou
Jerusalém, arrasou o Templo e deixou milhares de mortos.
"Não temos ideia de como seria o cristianismo se os romanos não tivessem
destruído o Templo", diz Armstrong. "Sua perda reverbera ao longo dos
livros que formam o Novo Testamento. Eles foram escritos em resposta à
tragédia."
Para os pesquisadores, então, os textos sagrados refletem a realidade da Judeia
do final do século 1 - e não a do início, a que Jesus viveu de fato. Por
exemplo: Barrabás personificaria os sicários, judeus que saíam armados de
punhais para matar romanos na calada da noite, como uma forma de vingança pela
destruição do Templo. E que por isso mesmo eram assassinos amados pela
população.
Quer dizer: Barrabás seria um personagem típico da década de 70 d.C., inserido
no episódio da morte de Jesus, fato que aconteceu na década de 30 d.C, num
momento em que o ódio aos romanos e o louvor a quem se dispusesse a matá-los
não eram tão violentos.
Até a época em que os Evangelhos foram escritos, o movimento de Jesus era
apenas um entre as várias seitas judaicas. Os primeiros cristãos se diziam
"o verdadeiro Israel" e não tinham intenção de romper com a corrente
principal do judaísmo. Mas tudo mudou com a destruição do Templo.
Ela intensificou a rivalidade entre as facções judaicas. "Em sua ânsia por
alcançar o mundo gentio (o dos não-judeus), os autores dos Evangelhos estavam
dispostos a absolver os romanos da execução de Jesus e declarar, com
estridência crescente, que os judeus deviam carregar a culpa", diz
Armstrong. João, o Evangelho mais virulento, declara que os judeus são
"filhos do Diabo" (João 8:44). Até o autor de Lucas, que tinha uma
visão mais positiva do judaísmo, deixou claro que havia um bom Israel (os
seguidores de Jesus) e um Israel mau - os fariseus.
A rixa com os fariseus tem lógica, já que eram competidores diretos dos judeus
cristãos. "Num extremo do judaísmo estavam os saduceus, a ala mais
conservadora. No outro, os essênios, a mais radical. Já os fariseus e os judeus
cristãos estavam no meio. Eles lutavam pela mesma coisa: a liderança do povo,
que estava entre as duas pontas", diz Crossan.
Não é surpresa, aliás, que os livros do Novo Testamento contenham tantas
contradições entre si. "Quando os editores finais do Novo Testamento
juntaram esses textos, no início da Idade Média, não se incomodaram com as
discrepâncias. Jesus havia se tornado um fenômeno grande demais nas mentes dos
cristãos para ser atado a uma única definição", diz Armstrong. Os
Evangelhos atribuídos a Marcos, Lucas, Mateus e João seriam finalmente selecionados
para o cânon da Igreja. Dezenas de outros evangelhos ficaram de fora.
Só no século 2, quase 100 anos após a morte de Jesus, começam a aparecer
relatos sobre ele no centro do Império. Um deles é uma carta do político romano
Plínio ao imperador Trajano. Plínio cita pessoas conhecidas como
"cristãs" que veneravam "Cristo como Deus". Outra fonte é o
historiador romano Tácito, que menciona os "cristãos (...), conhecidos
assim por causa de Cristo (...), executado pelo procurador Pôncio
Pilatos". Suetônio, que escreveu pouco depois de Tácito, informa sobre uma
perseguição de cristãos, "gente que havia abraçado uma nova e perniciosa
superstição". Uma "superstição" cuja mensagem convenceria cada
vez mais gente, a ponto de, no século 4, o imperador romano em pessoa (Constantino,
no caso) converter-se a ela. E o resto é história. Uma história que chega ao
seu segundo milênio. Com 2 bilhões de seguidores.
Antes dos 30, Jesus provavelmente teve a mesma formação religiosa dos judeus de
sua época. Ou seja: seguia outro Jesus. Outro profeta.
16 anos
O jovem Yeshua (Jesus, em aramaico) tinha 4 irmãos homens e pelo menos duas
irmãs mulheres. E cresceu na cidade onde nasceu: Nazaré.
20 anos
Ele pode não ter sido carpinteiro, mas pedreiro. O engano de 2 mil anos seria
culpa de um erro de tradução.
28 anos
Na Bíblia, o profeta João apenas batiza Cristo. O mais provável, porém, é que
ele tenha sido o grande mentor do jovem Yeshua.
33 anos
Os romanos crucificavam em massa. E também usavam árvores como base. Esse pode
ter sido o cenário da morte de Jesus.
Fonte. Superinteressante