27 de jun. de 2017

Pomba Gira; Origem, Histórico e Equívocos - Por: Rubens Saraceni


É claro que uma mulher altiva, senhora de si, segura, competentíssima no seu campo de atuação como a Pomba Gira, seja ele profissional, político, intelectual, artístico ou religioso, impressiona positivamente alguns e assusta outros. Agora, se esse imenso potencial também aflorar nos aspectos íntimos dos relacionamentos homem-mulher, bem, aí elas fogem do controle e assustam a maioria como começam a ser estereotipadas como levianas, ninfomaníacas, etc, não é mesmo?

Liberdade com cabresto ainda é aceitável em uma sociedade patriarcal e machista. Mas, sem um cabresto segurado por mãos masculinas, tudo foge do controle e a sociedade desmorona porque não foi instituída a partir da igualdade, e sim, da desigualdade.  Uma mulher submissa, só acostumada e condicionada a sempre dizer “amém”, todos aceitam como amiga, como vizinha, como colega de trabalho, como namorada, como esposa, como irmã, etc. Mas uma mulher questionadora, insubmissa, mandona, contestadora, independente, personalista, etc, nem pensar não é mesmo?

Pois é! Não seria diferente em se tratando de espíritos e, para complicar ainda mais as coisas, com eles incorporando em médiuns e trabalhando religiosamente para pessoas com problemas gravíssimos de fundo espiritual.  De repente, uma religião nascente e espírita se viu diante de manifestações de espíritos femininos altivos, independentes, senhoras de si, competentíssimas, liberais, provocantes, sensuais, belíssimas, fascinantes, desafiadoras, poderosas, dominadoras, mandonas, cativantes, encantadoras, cuja forma de apresentação fascinou os homens porque elas simbolizavam o tipo de mulher ideal, desde que não fosse sua mãe, sua irmã, sua esposa e sua filha, certo?

Quanto às mulheres, as Pombagiras da Umbanda simbolizavam tudo o que lhes fora negado pela sociedade machista, repressora e patriarcal do início do século XX no Brasil, onde à mulher estava reservado o papel de mãe, irmã, esposa e filhas comportadíssimas… senão, seriam expulsas de casa ou recolhidas a um convento.  Mas, com as Pombagiras de Umbanda não tinha jeito, porque ou deixavam elas incorporarem em suas médiuns ou ninguém mais incorporava e ajudava os necessitados que iam às tendas de Umbanda. Só um ou outro dirigente ousava realizar sessões de trabalhos espirituais com as Pombagiras, e a maioria deles preferia fazer “Giras fechadas” para a Esquerda, para não “escandalizar” ninguém e para não atrair para o seu Centro a Polícia e os comentários ferinos sobre as “moças da rua”.

Só que essa não foi uma boa solução, porque as línguas ferinas logo começaram a tagarelar e a espalhar que nessas Giras fechadas rolava de tudo, criando um mal estar muito grande, tanto dentro do círculo umbandista quanto fora dele. E ainda que tais fuxicos fossem falsos e maledicentes, não teve mais conserto porque o “vaso de cristal” da religiosidade umbandista nascente havia se trincado, e as “moças da rua” já haviam sido estigmatizadas como espíritos de rameiras que incorporavam em médiuns mulheres para fumarem, beberem champanhe, “gargalharem à solta”, rebolarem seus quadris, balançarem seus seios de forma provocante e para atiçarem nos homens desejos libidinosos e inconfessáveis.

Para quem não sabe, rameira era o nome dado às prostitutas e às “mulheres de programas”.  O único jeito de amenizar o “prejuízo religioso” que eles haviam causado com suas “petulâncias” foi tentar explicar que não era nada disso, e sim, que as Pombagiras eram Exus femininos e, como todos sabem, Exu não é flor que se cheire, ainda que seja muito competente nos seus trabalhos de auxílio aos necessitados de socorros espirituais, certo?

Quando os militares assumiram o poder nos anos 60 do século XX e logo entraram em choque com alguns setores do catolicismo arraigados na política, então diminui de forma acentuada a intensa perseguição da Polícia sobre as Tendas de Umbanda.  Somando à liberdade conseguida no período da ditadura, vieram os movimentos feministas que explodiram na América do Norte e na Europa, que conseguiram muitas conquistas para as mulheres.

A par destes acontecimentos, veio a explosão da revolta da juventude, com os Beatles e com Woodstock, que mudaram os padrões comportamentais dos jovens e as relações entre pais e filhos.  Pombagira assistiu a todos esses acontecimentos, que se passaram nos anos 1960 e 1970 e, entre um gole de champanhe e uma baforada de cigarrilha, dava suas gargalhadas debochadas, e dizia:

– É isso aí mesmo! Mais transparência e menos hipocrisia!

Com a liberação da mulher, vieram a responsabilidade, os direitos e os deveres. Pombagira popularizou-se com a expansão da Umbanda e dos demais cultos afro-brasileiros nos anos 60 e 70 do século XX e, em meio a multiplicidade de cultos com ela presente em todos, sua força era indiscutível e seu poder foi usufruído por todos os que iam se consultar com Ela.

Como ninguém se preocupou em fundamentá-la enquanto Mistério da Criação e instrumento repressor da Lei Maior e da Justiça Divina, temidíssima justamente em um dos campos mais controvertidos da natureza dos seres, que é justamente o da sexualidade, eis que não foram poucas as pessoas que foram pedir o mal ao próximo e adquiriram terríveis carmas, todos ligados aos relacionamentos amorosos ou passionais. Nada como pedir para as “moças da rua” coisas que não seriam muito bem vistas pelo “povo da direita”.

Assim, Pombagira tornou-se a ouvinte e conselheira de muitas pessoas com problemas nos seus relacionamentos amorosos, procurando atender a maioria das solicitações, fixando em definitivo um arquétipo poderoso e acessível a todas as classes sociais.  Junto à explosão descontrolada das manifestações de Pombagiras, vieram os males congênitos, que acompanham tudo o que é poderoso: os abusos em nome das entidades espirituais, tais como os pedidos de jóias e perfumes caríssimos; de vestes ricas e enfeitadas, de oferendas e mais oferendas caríssimas; de assentamentos luxuosos e ostentativos; de cobrança por trabalhos realizados por Elas, mas recebidos em espécie por encarnados, etc.

Pombagira também serviu de desculpa para que algumas pessoas atribuíssem a ela seus comportamentos no campo da sexualidade.  Ainda que saibamos que elas são esgotadoras do íntimo das pessoas negativadas por causa de decepções e frustrações nos campos do amor, no entanto ainda hoje vemos um caso ou outro que atribuem à Pombagira o fato de vibrarem determinados desejos ou compulsões ligadas ao sexo. Mas a verdade indica-nos exatamente o contrário disso, ou seja, a “mulher da rua” atua esgotando o íntimo de pessoas e de espíritos vítimas de desequilíbrios emocionais ou conscienciais, pois essa é uma de suas muitas funções na Criação.

Pombagira:  O Mistério Desconhecido – A falta de informação sobre a religião direciona os adeptos a práticas religiosas indevidas, propala e contribui para um distanciamento cada vez maior do culto tradicional africano. O nome “Pombagira” ou “Pombogira” usados atualmente na Umbanda e nos demais cultos afro-brasileiros é uma corruptela de Pambú Njila, o Guardião dos Caminhos e das Encruzilhadas no Culto de Nação Bantu, da língua Kimbundu.  Também há referências de que o nome “Pombagira” deriva de Bombogira, entidade do Culto de Angola que é muito oferendada nos caminhos e nas encruzilhadas, muito temida e respeitada na região africana onde é cultuada.

Há outras informações que nos revelam que Pombogira ou Pombagira ou Bombogira é derivada das “yamins” cultuadas na sociedade matriarcal secreta conhecida como “Gelede”.  Se são cem por cento corretas ou só parcialmente, isso fica a critério de cada um, o fato é que existem sim espíritos femininos que incorporam em suas médiuns e apresentam-se como Pombagiras na Umbanda, assim como nos demais cultos afro brasileiros.  Suas manifestações, informam-nos os mentores espirituais, são anteriores à Umbanda e já aconteciam esporadicamente nas “Macumbas” do Rio de Janeiro, bem descritas no livro As Religiões do Rio, de autoria de João do Rio, livro esse reeditado em 2006, mas onde não há uma descrição detalhada dos nomes das entidades, e sim, apenas algumas informações, valiosíssimas, ainda que parciais.

Muitos autores umbandistas atribuíram-lhe o grau de Exu feminino em razão da falta de informações sobre essa entidade e do fato de manifestar-se nas linhas da Esquerda, ocupadas por Exu e por Exu Mirim. Inclusive, alguns a descreveram como esposa de Exu e mãe de Exu Mirim.  Não devemos creditar essas interpretações, se errôneas, a ninguém, porque todos fomos vítimas da falta de informação e da desinformação geral, que geraram toda uma forma anômala de descrever as desconhecidas manifestações de entidades, que também nada revelaram sobre seus fundamentos divinos, e deixaram para a imaginação e a criatividade de cada um os conceitos sobre eles.

Se agora temos espíritos mensageiros que estão chegando até nós para que fundamentemos as incorporações umbandistas nas divindades e mistérios, então só temos de agradecer pelo que, finalmente, nos está sendo concedido.

O Mistério Pombagira abriu-se por inteiro na Umbanda e tanto pode ser esse quanto outro nome para identificá-lo porque, enquanto Orixá, seu verdadeiro nome nunca foi revelado na Teogonia Nagô; ele se encontra oculto entre os 200 Orixás desconhecidos, porque a Pombagira não foi humanizada no tempo como foram Exu, Oxalá, Iemanjá e todos os outros Orixás do panteão yorubano, muitos deles desconhecidos pelos umbandistas e por boa parte dos seguidores de outros cultos afros. (…)   Portanto, Pambu Njila para o guardião Bantu semelhante ao Exu Nagô e Pombagira para a guardiã umbandista, Rainha das Encruzilhadas da Vida e Senhora dos Caminhos à Esquerda dos Orixás.

Pomba é um pássaro usado no passado como correio, “os pombos correios”. Gira é movimento, caminhada, deslocamento, volta, giro, etc. Portanto, interpretando seu nome genuinamente no português, Pombagira significaria mensageira dos caminhos à Eesquerda, trilhados por todos os que se desviaram dos seus originais caminhos evolutivos e que se perderam nos desvios e desvãos da vida.  Pombagira, genuinamente brasileira e umbandista, está aí para acolher a todos os que se encontram perdidos nos caminhos sombrios da vida… ou da ausência dela, certo?





Fonte: “Orixá Pomba Gira” – Rubens Saraceni, Editora Madras
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