Minha avó tinha por hábito conversar com a comida durante o
preparo, dizia sempre o quanto ela seria útil para nós e da grande honra que
era servir de remédio a quem se pode alimentar. Quando nos servíamos ainda que
tivéssemos uma criação evangélica, ela apenas dizia: Deus salve o agricultor! E
respondíamos: Amém! As vezes dizia que chegaria o dia que teríamos dinheiro
para comprar, mas não teríamos o que comer e confesso que ouvia com medo
essa profecia. Hoje dentro de uma religião de matriz afro vejo o quanto
essa sabedoria que ela tinha era atemporal e necessária.
Num país de dimensões continentais e com riquezas inúmeras
como o nosso é por vezes assustador que haja pessoas passando fome, outras
tantas ávidas por trabalho, mas sem terra. Hoje me lembrei das frases da minha
avó ao ler a parábola do semeador que lançava suas sementes em solos diversos e
que perdia algumas para as aves, outras para as ervas daninhas e poucas
conseguiram brotar em terra boa e profunda.
Claro que a parábola cristã tem a ver com a palavra e
evangelização, mas me lembrei também da luta de tantas famílias no país que
caminham na contramão dos grandes produtores agrícolas que nos envenenam com
seus agrotóxicos, vêm preservando as sementes crioulas, passando de geração em
geração como guardiões de um saber ancestral de plantar, colher, guardar e
dividir! Evitam que o saber do fruto, do vegetal se perca em detrimento do
lucro e da ganância.
Banalizar o uso de defensivos agrícolas é assassinar a
população diariamente, e não bastasse ainda o extermínio das abelhas por conta
do veneno espalhado que desequilibra todo o meio ambiente. O número de
produtores que usam agrotóxicos cresceu 20,4% e o de trabalhadores rurais segue
caindo provando a especulação da bancada ruralista. Cerca de 50% dos pesticidas
usados aqui são proibidos na Europa, EUA, Canadá e Austrália por serem
comprovadamente cancerígenos e causarem outros malefícios à saúde quando se
acumulam em nosso organismo.
Pensei o quanto Oxossi, Odé ou Okô são importantes para
nosso país, o quanto seria lindo ver cada sacerdote realizar um ajeum, um
momento ritual com seus filhos e comunidade para comermos juntos o que a terra
dá e que o Orixá da fartura e da agricultura abençoa, rezando e cantando por
uma terra com mais saúde, mais alimento e mais justiça no campo e na
cidade...Tudo isso respeitando mãe Nanã materializada na terra fértil! Mas vejo
muitos corações sagrados carregados de defensivos agrícolas...
Talvez eu não veja, talvez os meus não vejam, mas outros
irão ver ainda o que é bom germinar, florescer e dar frutos e tudo isso ser
mais importante do que tudo que nos separa, que é o que faz quem tem o poder
seguir onde está!
Aqui no meu cantinho sigo rezando e cantando:
"Sua Terra é boa meu pai, é muito boa
A raiz que plantei foi você quem me deu
A água que reguei minha mãe quem benzeu
O fruto que colhi, não fui eu quem comeu..."
Por: Sid Soares
Coordenador Cultura Afro na empresa Secretaria de Cultura de Volta Redonda