Quando é perguntado para um umbandista se a Umbanda é
brasileira, a resposta vem de bate pronto, "Sim, ela é genuinamente
brasileira". Não há dúvidas a respeito desse fato histórico.
Quando aprofundamos a questão e perguntamos ao umbandista se
a Umbanda é uma religião de matriz africana, aí as respostas ficam mais
divididas. Há quem diga que sim, que é uma religião brasileira com matriz
africana; e há quem diga que não, que trata-se de uma religião brasileira sem
matrizes.
Vale aqui salientar que o termo "matriz africana"
é utilizado para designar religiões que carregam em sua formação forte laço com
africanos e descendentes de africanos, semelhanças e essências culturais, e
principalmente o envolvimento de panteões e divindades advindas da África.
É uma questão para muitos sem resposta concreta dentro da
Umbanda. É dito por alguns que a religião de Umbanda é brasileira e que recebeu
"influências" do cristianismo, do kardecismo, do candomblé e de
elementos indígenas. Mas não aceitam dizer que ela é uma religião de matriz
africana e nem indígena. Pois entendem que assim afirmado dá-se a conotação de
perda do pertencimento essencialmente nacional a respeito de sua formação.
Levam em conta a nacionalidade de seu anunciador, o solo no qual ela foi
anunciada, porém alguns outros fatores não são levados em conta. E é a respeito
desses fatores que eu quero argumentar nesse texto.
Quando dizemos que Zélio Fernandino de Moraes foi um
anunciador da religião de Umbanda, o que queremos dizer com isso?
Aprendi com alguns sacerdotes que o fundador da Umbanda é na
verdade o Caboclo das 7 Encruzilhadas, e que precisou de Zélio e sua
mediunidade para passar adiante a missão que lhe foi dada. Quando tentou se
manifestar na federação espírita de Niterói, o Caboclo das 7 Encruzilhadas não
foi aceito, e então disse que no dia seguinte daria início, na casa de Zélio, a
um culto no qual espíritos de negros e índios iriam poder dar mensagens e
cumprir a missão a qual o plano espiritual havia lhes confiado. Seria uma
religião que falaria aos humildes, simbolizando a igualdade que deve existir
entre todos os irmãos, encarnados e desencarnados.
No dia do novo culto, o Caboclo das 7 Encruzilhadas
estabeleceu algumas normas, como dias e horários, e também falou a respeito da
gratuidade dos atendimentos e da importância de se usar vestimenta branca nas
reuniões.
Com o culto ocorrendo chegou o momento em que Pai Antônio
(Preto Velho que acompanhava Zélio) se manifestou. Encurvado preferiu não se
sentar a mesa e ficou no canto, sentado num pequeno banco. Pediu um cachimbo
para fumar e dias depois solicitou que fosse feita uma guia, que ficou
conhecida como "Guia de Pai Antônio".
Pai Antônio foi a entidade que compôs a maioria dos pontos
cantados do novo culto, foi ele quem estabeleceu muitos dos rituais praticados.
Revelou aos filhos da casa que havia sido um africano que chegou ao Brasil na
escravidão, e que no antigo continente foi iniciado em um culto local.
Com esses fatos em mãos, seria correto afirmar que a Umbanda
não tem matrizes africanas e indígenas? Seria correto dizer assim como afirmou
o escritor J. H. Motta de Oliveira que a Umbanda trata-se de uma religião
"cristã por princípio, espírita por intuição, e que adora coisas da
magia" e tirar dela o peso das iniciativas claras do Caboclo das 7
Encruzilhas e de Pai Antônio em sua formatação?
Não seria correto dizer que ela na verdade é cristã,
africana, e indígena por princípio? Estamos falando de sua essência...
profunda, ampla, cheia de nuances; não trata-se apenas de um pertencimento
material e pragmático, pois trata-se da transcendência espiritual de todos os
agentes que participaram de seu nascimento, suas contribuições culturais,
filosóficas.
Temos que lembrar também que escravos não eram cidadãos
brasileiros, que estiveram em nosso solo a força, e que Pai Antônio ao inserir
rituais no novo culto estava buscando no âmago algo que remetesse à liturgia da
religiosidade que praticou em sua vida passada.
O Caboclo das 7 Encruzilhadas ao utilizar o sumo vegetal em
suas práticas estava resgatando algo que lhe remetesse ao bálsamo de sua vida
anterior.
Quando sou questionado sobre a Umbanda ser brasileira, digo
que sim, que ela é brasileira por ter sido anunciada por intermédio de Zélio em
solo brasileiro. Mas quando tentam tirar da Umbanda suas matrizes africanas e
indígenas eu não concordo, pois afirmar isso seria como apagar a contribuição
do espírito de Pai Antônio (um africano) e do Caboclo das 7 Encruzilhadas (um
indígena). Dois agentes primordiais da nossa religião, que mesmo tendo
enraizadas suas vidas passadas, tiveram a humildade e a grandeza de colocar a
filosofia cristã a frente da iniciativa dessa nova religião que
anunciavam.
Não há como falar do nascimento da Umbanda sem essa tríade de seres espirituais grandiosos, Zélio Fernandino de Moraes, Caboclo das 7 Encruzilhadas, e Pai Antônio.
Não há como falar do nascimento da Umbanda sem essa tríade de seres espirituais grandiosos, Zélio Fernandino de Moraes, Caboclo das 7 Encruzilhadas, e Pai Antônio.
A Umbanda tem fundamento, raízes, matrizes e matizes. Nãos
neguemos isso jamais em nome de Oxalá!