A individuação nem sempre é uma tarefa fácil ou agradável, e
o indivíduo precisa ser relativamente saudável em termos psicológicos para
começar o processo. O ego precisa ser forte o suficiente para suportar mudanças
tremendas, para ser virado pelo avesso no processo de individuação.
"Poder-se-ia dizer que todo o mundo, com sua confusão e miséria, está num processo de individuação. No entanto, as pessoas não o sabem, esta é a única diferença. A individuação não é de modo algum uma coisa rara ou um luxo de poucos, mas aqueles que sabem que passam pelo processo são considerados afortunados. Desde que suficientemente conscientes, eles tiram algum proveito de tal processo." (Jung, 1973, p. 442)
A dificuldade deste processo é peculiar porque constitui um
empreendimento totalmente individual, levado a cabo face à rejeição ou, na
melhor das hipóteses, indiferença dos outros. Jung escreve que:
"a natureza não se preocupa com nada que diga respeito a um nível mais elevado de consciência; muito pelo contrário. Logo, a sociedade não valoriza em demasia essas proezas da psique; seus prêmios são sempre dados a realizações e não à personalidade, esta última sendo, na maioria das vezes, recompensada postumamente". (Jung, 1913, p. 394)
Cada estágio, no processo de individuação, é acompanhado de
dificuldades. Primeiramente, há o perigo da identificação com a persona.
Aqueles que se identificam com a persona podem tentar tornar-se
"perfeitos" demais, incapazes de aceitar seus erros ou fraquezas, ou
quaisquer desvios de seu autoconceito idealizado. Aqueles que se identificam
totalmente com a persona tenderão a reprimir todas as tendências que não se
ajustam, e a projetá-las nos outros, atribuindo a eles a tarefa de representar
aspectos de sua identidade negativa reprimida.
A sombra pode ser também um importante obstáculo para a
individuação. As pessoas que estão inconscientes de suas sombras, facilmente
podem exteriorizar impulsos prejudiciais sem nunca reconhecê-los como errados.
Quando a pessoa não chegou a tomar conhecimento da presença de tais impulsos
nela mesma, os impulsos iniciais para o mal ou para a ação errada são com
freqüência justificados de imediato por racionalizações. Ignorar a sombra pode
resultar também numa atitude por demais moralista e na projeção da sombra em
outros. Por exemplo, aqueles que são muito favoráveis à censura da pornografia
tendem a ficar fascinados pelo assunto que pretendem proibir; eles podem até
convencer-se da necessidade de estudar cuidadosamente toda a pornografia
disponível, a fim de serem censores eficientes.
O confronto com a anima ou o animus traz, em si, todo o
problema do relacionamento com o inconsciente e com a psique coletiva. A anima
pode acarretar súbitas mudanças emocionais ou instabilidade de humor num homem.
Nas mulheres, o animus frequentemente se manifesta sob a forma de opiniões
irracionais, mantidas de forma rígida. (Devemos nos lembrar de que a discussão
de Jung sobre anima e animus não constitui uma descrição da masculinidade e da
feminilidade em geral. O conteúdo da anima ou do animus é o complemento de
nossa concepção consciente de nós mesmos como masculinos ou femininos, a qual,
na maioria das pessoas, é fortemente determinada por valores culturais e papéis
sexuais definidos em sociedade.)
Quando o indivíduo é exposto ao material coletivo, há o
perigo de ser engolido pelo inconsciente. Segundo Jung, tal ocorrência pode
tomar uma de duas formas. Primeiro, há a possibilidade da inflação do ego, na
qual o indivíduo reivindica para si todas as virtudes da psique coletiva. A
outra reação é a impotência do ego; a pessoa sente que não tem controle sobre a
psique coletiva e adquire uma consciência aguda de aspectos inaceitáveis do
inconsciente - irracionalidade, impulsos negativos e assim por diante.
Assim como em muitos mitos e contos de fadas, os maiores
obstáculos estão mais próximos do final. Quando o indivíduo lida com a anima e
o animus, uma tremenda energia é libertada. Esta energia pode ser usada para
construir o ego ao invés de desenvolver o self. Jung referiu-se a este fato
como identificação com o arquétipo do self, ou desenvolvimento da
personalidade-mana (mana é uma palavra malanésica que significa a energia ou o
poder que emana das pessoas, objetos ou seres sobrenaturais, energia esta que tem
uma qualidade oculta ou mágica). O ego identifica-se com o arquétipo do homem
sábio ou mulher sábia, aquele que sabe tudo. (Esta síndrome é comum entre os
professores universitários mais velhos, por exemplo.) A personalidade-mana é
perigosa porque é excessivamente irreal. Indivíduos parados neste estágio
tentam ser ao mesmo tempo mais e menos do que na realidade são: mais, porque
tendem a acreditar que se tornaram perfeitos, santos ou até divinos, mas na
verdade, menos, porque perderam o contato com sua humanidade essencial e com o
fato de que ninguém é plenamente sábio, infalível e sem defeitos.
Jung viu a identificação temporária com o arquétipo do self
ou com a personalidade-mana como sendo um estágio quase inevitável no processo
de individuação. A melhor defesa contra o desenvolvimento da inflação do ego é
lembrarmo-nos de nossa humanidade essencial, para permanecermos assentados na
realidade daquilo que podemos e precisamos fazer, e não naquilo que deveríamos
fazer ou ser.
"Não é perfeição, mas totalidade o que se espera de você." (Jung, 1973, p. 97)
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Referência: Teorias da Personalidade, 1939. James Fadiman,
Robert Frager.
Por: Isabela F. Meira (www.psicosmica.com)