5 de mai. de 2017

A Umbanda e as Mídias Sociais - Por: Pirro D'Obá

A Umbanda e as Mídias Sociais
Quando falamos em mídias sociais, em qualquer ramo, temos que analisar diversos fatores para conseguirmos tirar um substrato dialético que possa trazer luz a algumas questões. A princípio, as mídias sociais surgiram como ferramenta de interação com foco primário num cenário “egocêntrico”, onde os indivíduos dividiam e compartilhavam conexões de suas vidas (seus gostos, seus ideais, suas perspectivas) e suas rotinas de um modo geral.


Num segundo momento, as mídias sociais começaram a sofrer uma transformação “sociocêntrica” e apresentar critérios onde indivíduos dividem o mesmo espaço com outras estruturas de conexão, como marcas e organizações.

O processo de compartilhamento, que antes obedecia a uma configuração de interação entre pessoas comuns, começou a dar espaço para que marcas pudessem surgir e atingir diversos níveis de impacto ideológico.

Figuras públicas, instituições com fins comerciais ou políticos, prestadoras de serviços públicos ou privados, entre outros seguimentos, apareceram como “personagens” de um novo modo de interatividade, criando laços com indivíduos comuns, promovendo ou ditando tendências, sensações, etc.

Essas marcas e organizações começaram a identificar determinados padrões de interação social dos indivíduos; e então, compreenderam como influenciar comportamentos que pudessem retornar de maneira estruturada e unificada aos interesses aos quais formatam seus modelos específicos de negócios.

Com a chegada de plataformas como facebook, youtube, instagram, esses seguimentos encontraram uma maneira uniforme de conseguirem influenciar efetivamente as pessoas. Uma marca ou uma instituição com  poder alto de capital, capaz de patrocinar propagandas e sites que evidenciassem seus “logos”, que lembrassem o público sobre a existência de sua organização tornaram as mídias sociais um interessante atrativo para empreendedores de um modo geral.


Hoje, para fazer com que sua marca se torne conhecida não é mais necessário pagar a um jornal do bairro, ou uma rádio ou a TV para que te promovam, basta você utilizar as mídias sociais para isso. No Facebook você paga para que sua página tenha mais visualização e curtidas, patrocina anúncios assim como no Youtube; e no próprio Google você tem diversas ferramentas onde você paga para que seu site seja o primeiro a ser visto numa pesquisa.

Mas aí você me pergunta. O que a Umbanda tem a ver com tudo isso?

Pois bem. Esse fenômeno das mídias sociais também atingiu a Umbanda. E podemos numa pesquisa simples saber quais são as plataformas que se propõem a tratar do assunto “Umbanda” na internet. Páginas no Face, canais no Youtube, Sites. E nessa busca simples você verá quem são os que primeiro aparecem.

A pergunta que se deve fazer é. As páginas, os canais e os sites que vemos, estão ali unicamente por conta de sua credibilidade ou estão por consequência do poder de investimento que eles foram capazes de injetar em suas plataformas? Quanto foi pago às mídias sociais para que determinadas plataformas tivessem tal número de curtidas, tal número de visualizações?

Esse tema em relação ao impacto das marcas e instituições sobre os indivíduos comuns é muito estudado e discutido no meio acadêmico. As vezes a sensação que as pessoas têm de liberdade ao navegar na internet pode ser algo ilusório. Pois a todo tempo você vê anúncios e patrocínios que ditam o que deve ou não aparecer em sua “timeline”, em seu “feed” de notícias. Músicos usam muito essa lógica para viralizarem uma música que acabou de ser lançada; pagando o Youtube, o Face e as rádios garantem o sucesso do single. Até em questões políticas vemos isso, onde determinados partidos patrocinam para que “formadores de opinião” promovam a disseminação de notícias (tendenciosas), tudo no intuito de tentar controlar as ideias das pessoas.

Então. Na Umbanda, o fenômeno não é diferente pois obedece a mesma estrutura de comunicação social.

É extremamente válido que páginas, canais e sites busquem promover-se nas mídias disponíveis. Porém, há um conflito existencial nesse processo que é evidente. Um Pai de Santo (Sacerdote) que encontra-se na mídia, teria enfim o devido respaldo para estar ali disseminando seu conteúdo? Talvez o número de curtidas presentes diga que sim. Mas é número de curtidas que dizem se algo realmente tem respaldo ou não? É o número de curtidas que denota se uma música é de qualidade ou não? 

Tem muita coisa boa, porém tem muita coisa estranha na internet também. Nem tudo são pérolas, e financiando as mídias sociais muita coisa ruim passa por coisa boa sem que os internautas possam entender muito bem do que se trata.

As mídias sociais auxiliam muito para que as pessoas encontrem coisas que procuram, nisso gera-se uma demanda, ou seja, surge uma exigência de um determinado número de pessoas a respeito de um tema específico. Essa demanda está atrás de informação, e a plataforma que pagar mais e que tiver uma estratégia de “mercado” mais efetiva irá aparecer primeiro como proposta de saneamento dessa demanda. 

Sabemos, as pessoas têm por natureza correr atrás do que é mais fácil, mais acessível, sendo assim, as organizações vão se aproveitar dessa natureza humana para conseguir consolidar suas marcas. Estando em primeiro lugar no Google, pagando bem ao Face e ao Instagram para aparecer, está garantido aí seu sucesso. Rssrs... Eu dou risada mas o caso é sério hein.. ;)

Vale salientar que na Umbanda sempre existiu uma ressalva de abominação contra tudo que envolvesse dinheiro na religião. Pessoas usando a Umbanda para ganhar dinheiro houveram aos tantos e sempre foram muito criticados. E isso é historicamente fácil de explicar, pois na primeira parte do século XX aqui no Brasil os cultos que fugiam das normatividades cristãs e tivessem algum traço de culto com matriz afro eram discriminados, e a Umbanda sofreu muito por isso por cultuar os Orixás. E no Congresso de 1941 foi apresentada uma tese propondo a discriminalização da prática dos rituais de Umbanda. O autor, Dr. Jayme Madruga, tendo em mãos um minucioso estudo de todas as constituições já colocadas em vigência no Brasil, buscou basear argumentos que abrissem o caminho da Umbanda contra a repressão do Estado. Coube aos umbandistas engajados da época buscar acelerar o processo com declarações e resoluções partindo daquele congresso, em prol da discriminalização da prática da Umbanda.

Em 1944, vários umbandistas ilustres, entre eles vários militares, políticos, intelectuais e jornalistas, apresentaram ao então Presidente Getúlio Vargas um documento intitulado "O Culto da Umbanda em Face da Lei" e assim tivemos a discriminalização da Umbanda enfim efetivada em território nacional.

Porém, é nesse episódio que nasce a problemática onde outros tipos de cultos, que também buscando fugir da repressão, adotaram a Umbanda como o nome da “doutrina” de suas casas. Dirigentes que praticavam outros tipos de cultos começaram a se rotularem como umbandistas. Esses dirigentes que faziam matanças de animais com frequência, cobravam por trabalhos, executavam cultos destoantes daqueles que foram propostos pelas primeiras tendas nascidas no Rio de Janeiro sob a tutela do Caboclo das 7 Encruzilhadas.

Esse perfil, que utiliza do nome “Umbanda” para arrebanhar desavisados em troca de dinheiro já é velho. Umbandistas que tem uma determinada raiz e que levam a sério o compromisso com a religião não aceita esse tipo de postura. Separar o joio do trigo é algo que sempre esteve na agenda de responsabilidades das Tendas e Terreiros mais tradicionais. Lutamos muito contra esse tipo de conduta mercantilista e é fator histórico que pauta muito a religião de Umbanda. Uma coisa é a pessoa que faz amarrações e se diz umbandista e outra coisa é o umbandista que segue uma doutrina religiosa e ética, uma raiz de fato. 

Como sabemos, as pessoas que gostam de ganhar dinheiro fácil se adaptam com destreza às tecnologias disponíveis para conseguirem monetizar seus “produtos”. Tem gente na internet vendendo de tudo, e isso não é errado, pois se tem demanda é óbvio que haverá quem busque atendê-la. O problema começa quando as pessoas querem iniciar a venda de “Deus”, a vender uma cosmologia religiosa. Isso sim é facilmente refutável.

As marcas surgem nas mídias sociais e aplacam a todos aqueles que pouco sabem a respeito de determinado tema, e acabam pagando por um produto sendo que se tivessem um senso crítico mais apurado poderiam conseguir de graça.

Na Umbanda, as vezes a pessoa pode ir a um terreiro sem precisar se filiar e fazer um curso gratuito de teologia umbandista pelo puro e simples compromisso de tal terreiro para com a caridade. Mas, na comodidade da internet, acaba caindo em cursos a distâncias, vídeo aulas de determinados temas que estão ali apenas pela demanda, pela rentabilização que aquele “nicho de mercado” tem a oferecer, os famosos Pais de Santo de internet. 

Pode não parecer, mas hoje existe uma ruptura intelectual na Umbanda entre aqueles que acreditam que o conhecimento pode sim ser compartilhado de maneira gratuita, e outros que acham que o custo deve ser repassado para aquele que quer ter o conhecimento. Plataformas gratuitas e plataformas pagas estão nas mídias sociais e existem diferenças enormes entre essas duas propostas de engajamento.

E é estranho dizer isso, mas se pararmos para analisar, as plataformas mais comprometidas com um conteúdo amplo e de qualidade são aquelas que tem um número menor ou mediano de seguidores. Por estarem preocupados com algo que realmente agregue a Umbanda e aos umbandistas acabam não focando em disseminar tudo isso para um número grande de pessoas. Pois convenhamos, que quem realmente quer saber e se aprofundar, não só em doutrina, mas também em questões críticas da Umbanda vai vir pela curiosidade, pelo empenho da pesquisa.

Porém, aquelas plataformas que tem um número gigante de seguidores focam bastante na “viralização” de temas que acompanhem a curiosidade de novatos, de pessoas que estão atrás de um conteúdo mais prático e fácil sobre as questões umbandistas. Essas plataformas pagam e muito bem as mídias para terem sucesso de seus “empreendimentos”. E quando questionados por umbandistas que discordam dessa postura mercantilista da qual adotam, apelam para seus seguidores, os colocando como mediadores dessa questão.

A verdade é que existe uma falsa sensação desses seguidores, a sensação de estarem seguindo alguém supostamente credenciado, e esse sentimento surge justamente por ver o número de fiéis que assistem aos mesmos vídeos, pagando pelo mesmo curso, curtindo a mesma página. É uma sensação sociológica de "pertencimento alienado".

Mercantilizar a Umbanda é um processo antigo, sempre executado tendo como combustível e foco principal a ingenuidade de quem não entende quase nada de Umbanda. Quem conhece a Umbanda e sua história sabe que usar ela como instrumento para ganhar dinheiro é errôneo, uma atitude antiética.

Porém, essas plataformas hoje estão atrás de convencer você de que a Umbanda é um produto. Plataformas com um número alto de seguidores. Mas fica a pergunta... Qual o perfil dos seguidores?

São questões que temos de levantar, que temos de nos questionar. A Umbanda não pode seguir o caminho que outras vertentes religiosas seguiram, que olham o fiel como o fator que faz girar sua renda. O fiel é ingênuo (o leigo). Vendilhões da fé estão espalhados pelo mundo.

Estão dizendo por aí que fornecer prato de comida de graça para mendigo ou pessoas em estado de pobreza é errado, e tem gente abraçando essa ideia. Tem gente tentando substituir a tão aclamada “caridade umbandista” por solidariedade, e tem gente abraçando essa ideia.

Por isso, ao escolher seguir alguém que se propõe a falar de Umbanda nas mídias sociais, cuidado! Analise alguns pontos antes. Não trate ninguém como herói, pois as vezes o dirigente umbandista que está ali fazendo o SIMPLES em seu terreiro, passando informação para um pequeno número de pessoas e GRATUITAMENTE, que se envolve em projetos sociais CONSISTENTES, esse sim pode ser o grande herói, e aqueles que buscam ter um número gigante de seguidores talvez estejam enfim interessados em ganhar com a sua ignorância, sem ter a capacidade de abrir a própria porta de casa para ajudar alguém necessitado, capaz de bloquear seu acesso a um curso por você não ter o dinheiro da mensalidade para pagar aquele mês (história verídica).

Tem muita gente boa falando de Umbanda nas mídias sociais, tem muita plataforma ajudando as pessoas a atingirem uma consciência mais ampla a respeito das coisas. Mas tem gente mal intensionada também, gente se apegando ao número de seguidores comprados no Facebook para implantar um discurso mercantilista disfarçado de mentalidade próspera.

Fique atento irmão, sua mente é um templo, não deixe manipularem algo tão sagrado!


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