Antigamente quando se macerava as folhas para as lavagens de
cabeça ou para banhos mais diversos, tínhamos o hábito de cantar. Dependendo da
folha era entoado um determinado cântico. Mesmo o ritual do amaci – lavagem de
cabeça -, dito tradicional por conservar um método que se repete e se mantém
inalterado no tempo, já não é tão idêntico como os do passado. Vivemos um tempo
difícil, de “ausência” de tempo, rotina de correria e muita pressa. Impossível
determinar-se com precisão, a época em que os médiuns umbandistas tinham mais
tempo, inclusive para se reunirem calmamente e cantarem macerando as folhas
litúrgicas.
Certos rituais peculiares à vida religiosa de uma comunidade
de axé, ou terreiro de Umbanda, deveriam ser mantidos e serem “imunizados”
contra as mudanças ou adaptações que os descaracterizam e enfraquecem. A
tradição aprendida e vivenciada com os mais antigos, antepassados e
ancestrais pelo canal da mediunidade é
roteiro seguro que fundamenta e mantém a força magística, etéreo-astral
vitalizadora, dos elementos ritualizados e consequentemente dos adeptos que se
associam no agrupamento religioso.
A diferença entre costume e tradição pode ser perfeitamente
ajustada à idéia de rito religioso - o costume nas sociedades tradicionais não
impede as inovações, ao contrário de muitos costumes – não todos - nas
sociedades religiosas, que estão relacionados aos sistemas de crenças
afro-ameríndios, onde os espíritos ancestrais são cultuados e o passado
histórico está no presente dos ritos vivenciados, explícito nos mitos, lendas,
cantigas e provérbios que por sua vez legitimam-nos.
Obviamente os usos e costumes religiosos na Umbanda, variam
segundo a origem dos terreiros, onde seus dirigentes fundadores trazem uma
bagagem iniciática própria de cada terreiro em que vivenciaram o seu
aprendizado e formação sacerdotal mediúnica. Sem dúvida foram anos de
convivência em comunidade e muitos processos vivenciais catárticos com os guias
espirituais para adquirirem conhecimentos sólidos sobre os orixás, seus mitos,
lendas, ritos, danças, cânticos, folhas...
O Orixá "dono" das folhas é Ossaim, aquele que
domina o ritual, liberando e expandindo o
"axé" das folhas, pois sem folha não há orixá (Kosi ewe, kosi
orixá) e sassanhe é o cantar para Ossaim ou cantar para as folhas. Os cânticos,
ladainhas e os textos cantados – hinários - são empregados para a transmissão
dos conhecimentos, o que requer adequada interpretação, e também são fixadores
vibratórios entre os 2 planos de vida; o dos espíritos e dos encarnados. Agem
com grande propriedade quando associados aos atabaques, como potentes indutores
do transe mediúnico. Objetivamente, podemos afirmar que os pontos cantados são
instrumentos litúrgicos e verdadeiras imprecações mágicas – encantamentos – que
potencializam o prana vegetal (axé verde) contido nas folhas, alteram nossas
ondas mentais e facilitam a sintonia com os espíritos guias da Umbanda que
movimentam estes fluídos em conformidade aos objetivos magísticos dos
trabalhos.
Neste sentido, tem uma lenda de Ossaim que é esclarecedora:
"Ossaim, quando Obatalá distribuiu os domínios da terra entre os orixás escolheu as plantas, que passou a estudar e conhecer profundamente. Aprendeu que elas são o segredo da cura e da vida. Um dia Xangô ordenou que Iansã, com seus ventos, fizesse as folhas voarem para seu palácio, para que todos pudessem ter poderes como os de Ossaim. Iansã fez o que Xangô pediu, gerando um vendaval, que soprava todas as folhas em direção ao palácio de Xangô. Ossaim, entretanto, percebendo o que ocorria, chamou as folhas de volta para a mata, com suas palavras mágicas. E as folhas obedeceram. As poucas que já haviam chegado ao palácio de Xangô perderam o axé. Ossaim, entretanto, para evitar a inveja dos orixás, deu uma folha para cada um e ensinou o segredo delas, seus efós - as cantigas de encantamento -, sem as quais as folhas não funcionam".
Muita paz, saúde, força e união.
Por: Norberto Peixoto.