23 de jan. de 2016

Crítica da Razão Caótica


O filósofo foi em muitos tempos e lugares alguém que se entregava ao demasiado aprofundamento do conhecimento sobre as coisas e as ideias, e que ao se abdicar da ação, se deixando absorver pelo ócio, por fim teria ao revisitar grandes clássicos em paralelo as notícias atuais de seu tempo um bom balanço a respeito de assuntos variados, juntamente a resoluções éticas, morais.

É certo que dependendo do século em que viveu o filósofo parece mais neurótico, ou mais afável, uns mais pragmáticos e presunçosos, outros mais céticos e existenciais, uns mais complexos, outros mais claros em suas mensagens. 


Por certo tomo que alguns deles contribuíram para que as coisas ficassem cada vez mais difíceis de serem captadas. Parece que tinham como objetivo principal tecer em seus escritos caminhos e labirintos quase impossíveis de serem discernidos pela mente dos mais sensíveis estudiosos. Como um Hegel em sua ambição por parametrizar tudo através de uma dialética sombria em busca do saber absoluto.

O fato é que na Grécia antiga o filósofo não ficava citando escolas ou conceitos chave a torto e a direita para se fazer entender dentro de um círculo de discussão pública. É certo que haviam escolas sim, bem aprofundadas por sinal, como os Pitagóricos que acreditavam na matemática como mantenedora do mundo, da música, da astronomia, e da geometria; ou os Atomistas que viam a natureza subsistindo entre dois princípios fundamentais como o átomo e o vazio; os Céticos suspendendo o juízo em favor de um suporte voltado ao maior número de evidências possíveis. Mas ao terem de lidar com os saberes científicos de sua época, que não era muito, tinham de inventar palavras, colocações, conceitos, muito mais num mecanismo de criação de pespectivas cosmológicas (conceito muito surrado nos tempos modernos) do que de revisitação, como foi o caso renascentista e humanista da qual nós descendemos.

...Com o passar do tempo a modernidade foi deslocando o filósofo do saber realmente empírico. Refinou tanto o campo das ciências exatas como a química, a física, a matemática, a astronomia e principalmente a biologia, que a filosofia acabou por se distanciar daquilo que a princípio parecia ser seu maior objeto de contemplação; a ciência.

A partir do momento que em última instância através do materialismo histórico de Marx a busca da sabedoria se predispôs a analisar a sociedade em seu âmbito econômico, histórico e antropológico deixando de lado as grandes metafísicas embasadas em descobertas cientificas emolduradas pela teologia e aprofundamento filosófico, o pensador automaticamente deixou de ser um criador para se tornar um analista. O Positivismo em sua mania de catalogação dos saberes contribuiu muito nisso que podemos chamar de “fragmentação dos saberes”.

David Hume, um gênio fértil descendente de Locke e Barkeley, talvez seja o expoente com mais potência no sentido de atribuir a realidade um mistério mais subjetivo do que objetivo a estadia humana aqui na Terra. Tendo ele oferecido o ponto de vista a respeito da impossibilidade de se alcançar alguma certeza ou verdade absoluta nas ciências indutivas, além de ter mostrado a impossibilidade de se provar filosoficamente a existência do mundo exterior ou de se identificar uma substância constitutiva do ego. Hume pode ser um dos precursores do ponto de vista psicológico do homem diante aos acontecimentos e descobertas, colocando em evidência o problema da causalidade racionalista.
Depois do Empirismo Britânico um ideal programático, materialista e pragmático tomou conta do terreno da filosofia. Sem perceber esse distanciamento gradativo fez com que o espéculo filosófico perdesse seu devido lugar nos julgamentos humanistas da sociedade.

Engenheiros, médicos e advogados juntamente com cientistas das mais variadas áreas, depois das quedas dos regimes absolutistas, ganharam força nos caminhos práticos da sociedade e questões existenciais acabaram tomando por base mera dicotomia sujeito/objeto, burguês/operário, forte/fraco.
Os utilitaristas no começo do século XIX como Bentham, Stuart Mill sistematizaram bem esses princípios da utilidade e conseguiram aplicá-los as questões concretas do sistema político, da legislação, da justiça, da política econômica, da liberdade sexual, da emancipação feminina, etc...

... Em decorrência da impossibilidade de participação do filósofo nos "caminhos da liberdade humana", as tipologias começaram a ter como fundamentos principais genealogias variadas de como o homem se tornou detentor do controle da natureza, em como seus potenciais instintivos como a ira através do tempo foi capaz de conferir domínio dos mais aptos a realidade "utilitária". Tipologias tais que forneceram a muitos intelectuais perspectivimos múltiplos sobre a humanidade e sua servidão aos sistemas, que em seus seus paradoxos de conduta psicológica, de bem e estar diante do universo deixava explícito a castração do livre pensamento perante ao mundo que se "engrenava" durante a revolução industrial...

... Num parâmetro Freudiano, É certo que nosso “Pai Social” que na antiguidade nos vinha aos olhos de maneira mítica nos fazia interpretá-lo com certo respeito e resignação. As comunidades, as tribos, as "Cidades Antigas"(para citar o historiador francês Fustel de Coulanges), muitas vezes Clãs Totêmicos com nomes de Pais antigos, com seus Tabus e regras arraigados, eram locais a serem zelados pelos iguais internamente; "os de fora" eram bárbaros, filisteus e só os valores internos eram tido como os verdadeiros. O papel do filósofo (o ancião) nesses locais longínquos era tipicamente conduzir as mentes mais curiosas e corajosas dos jovens a atalhos que não prejudicassem a vida dos seus irmãos de tribos. Dessa forma, os dilemas regionais, os dramas teológicos seguiam supervisionados pelo olhar do sábio, que diante desses fenômenos mantinha o seu ponto de vista amplo moldado por valores, sapiência, erros e acertos de sua jornada como pêndulo do que enfim poderia vir a ser a experiência de seus ouvintes, um acompanhamento das descobertas em consenso a harmonia de todos e que não gerassem o caos a maioria envolvida dentro do contexto social.

Na Grécia, em resumo, os filósofos faziam isso. Zelavam pelo bem comum. Supervisionavam.

Através das tradições as escolas indicavam os caminhos daqueles com intelecto mais impetuoso voltado a ação, e tentava introduzir pedagogicamente nas mentes um cerne iniciativo com teor valorativo e de sentido da vida. 
A tragédia em si parece ser isso; uma maneira de conduzir a psyqué dos concidadãos a catarse e abertura a um parâmetro da mais valia, do bem viver.

Mesmo a Idade média sendo tomada pelo Cristianismo e seu ponto de vista antinatural da sociedade, os Filósofos não sumiram.
O Estoicismo Greco Romano, o Neoplatonismo, misturados a pontos de vistas místicos contribuíram em muito para o surgimento de grandes pensadores como Plotino, Santo Agostinho, São Tomás de Aquino, que numa união de estudos teológicos juntamente ao conhecimento Aristotélico e Platônico conseguiram embasar os curiosos de suas épocas em pesquisas voltadas ao encontro com Deus, sempre tendo como estrutura metafísica a Revelação e da Graça Divina, do autocontrole, e principalmente da ordem das coisas. 
Pormenores que no fundo da história acabam não tendo devido reconhecimento, como o movimento Gnóstico, que tinha uma base maniqueísta da natureza e que nos conferiu muitas características para o pensamento ocidental de certo “pé atrás” e desconfiança diante da ideia de entregarmos as mãos da ciência o definitivo bastão das descobertas. 
Por fim, os Franciscanos foram os primeiros a traçar essa inevitável ruptura entre a teologia e o conhecimento científico como no caso “da navalha de Ockham”, que abriu as portas da Renascença, das grandes reformas e a vinda do Iluminismo...

...Ainda parece cedo para admitirmos que o Século das Luzes, o Romantismo, o Idealismo (principalmente Alemão) e o materialismo, que mobilizaram o poder da razão, na verdade nos fizeram chegar a beira de um abismo. Estruturadores responsáveis pela visão sistêmica que carregamos a respeito da natureza humana como Thomas Hobbes, um humanista, olharam para sociedade como a detentora do papel e a responsabilidade de resignificar o homem bestial pela própria natureza através de um contrato que o introduzisse num meio social e político com direitos e deveres para cada um. Outros como Rousseau, um Romântico (se assim podemos cunhá-lo), que olharam pra sociedade na verdade como uma estupradora da bondade natural da espécie humana, sociedade tal que deveria devolver a nós (numa visão utópica) a condição natural que seria uma espécie de "bondade instintiva".

Dessa forma, com dicotomias a respeito da nossa real natureza e nosso papel diante da sociedade parece que tentamos colocar fim a muitas coisas na segunda metade do antigo milênio que nem sequer haviam tido bons argumentos plausíveis. A crença moderna de que em determinado momento iríamos chegar ao ápice da explicação geral de tudo, onde a ciência iria trazer respostas sobre o real potencial do homem e suas verdadeiras limitações, isso tudo fez com que simplesmente olhássemos para os "universais e particulares" de maneira positiva, otimista. O que parece não ter acontecido como o esperado diga-se de passagem.

Talvez esse otimismo em descobrir a luz elétrica, em ter em mãos as leis físicas de Newton, em olhar para a evolução natural por um viés Darwiniano tenha trazido nos últimos séculos um declínio do ponto de vista filosófico. Pois, o filósofo como figura do sábio, do cético, caiu em determinado momento na tentação de olhar ao seu redor com bons olhos, acreditando em Utopias (More), em Repúblicas (Platão), deixando idealistas como Hegel virem a púlpito aos montantes ao invés de darmos ouvidos a Schopenhauer e seu pessimismo quase profético. Deixamos Marx falar e conduzir mentes fabris ao invés de ouvir primeiramente os adendos cosmológicos de Nietzsche no fim do século XIX e que tentava nos reconectar aos Pré Socráticos. Demos ouvidos a Descartes ao invés de nos aprofundarmos em Pascal e seu alerta sobre hierarquia que movia a espécie humana.

...Passamos por processos que nos mostraram que a ciência nas mãos de pensadores “utilitários” podem até ter lá suas boas resoluções como estruturação de bases para execução de políticas de Welfare State em repúblicas democráticas, ou discussões sobre inclusões de minorias, mas que em certo aspecto não são suficientes para apagar as marcas da barbárie daqueles que por fim detiveram o poder dos acontecimentos em conjunto com a ciência nos últimos séculos. Hoje a ciência parece não servir ao homem e muito menos ser supervisionada pela Filosofia.
O Existencialismo parece ser a prova clara da impotência e insignificância da subjetividade reflexiva diante das circunstâncias a que nos arremetemos.

Num balanço, a verdade sobre a coisas gerais servem a um plano de contingência social muito tempo depois das consequências decorridas das ações. E a filosofia tem aparecido mais como diagnóstico posterior do que como síntese de ações a serem tomadas em tempo paralelo aos acontecimentos. As grandes Guerras, os monopólios político e capital nas mãos de bancos e grandes corporações, a exploração de meio ambiente, os grandes latifúndios de terras, as descobertas científicas com preços de mercado... parece que tudo isso unido confere aos sentidos do ser humano contemporâneo (ou ao último homem, para citar Nietzsche) a sensação de perda, de insuficiência, falta de controle de nossas ações vista pelo prisma filosófico.

Hoje, alguém falando sobre as mônadas ao estilo de Leibniz soaria grotesco, como perda de tempo diante a um mundo em constante descoberta fragmentada... Se olharmos pela perspectiva de fetichismo poderemos dizer que nos tornamos hoje nada além de cidadãos com direito ao sufrágio representativo, poder de compra em maior ou menor grau, escolhendo marcas, artífices manufaturados, e no contexto racionalista catalogados dos conhecimentos nos perpetuamos no obscuro desencantamento de mundo do qual citara Max Weber.

Ao que parece, o filósofo hoje está marcado pelo Cinismo e o Sarcasmo como saída para enfrentamento da realidade. Características que parecem correr nas veias por estarmos imersos a tantos bombardeios que não temos mais tempo para traçar cosmologias e tipologias criativas. Escravos por fim daquilo que ao longo das eras tanto nos serviu de objeto e que tanto nos preocupamos em proteger. O filósofo hoje é escravo de seu próprio objeto e paixão de análise, escravo da própria sociedade e suas ranhuras...


Um comentário:

  1. Olha, é um texto complexo, com abordagem complexa... Explicita muito bem as polaridades existentes no nosso mundo das idéias. Vivemos tempos de crise em diversos setores sociais, e análise como essa precisam serem feitas.Precisamos sair da ironia e galgar degraus que possam fornecer ao mundo novas perspectivas de ação e crescimento.

    Parabéns!!!

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