Xangô foi o primeiro Deus Iorubano, por assim dizer, que pisou em terras brasileiras. Talvez por isso seja um Orixá tão popular por aqui. Tanto que em Recife, seu nome serve para designar o conjunto de cultos africanos praticados no Estado de Pernambuco. Filho de Oranian (fundador da cidade de Oyó e de sua dinastia), Xangô é símbolo da realeza, sendo aquele que reina forte e imbatível, e seu grande prazer está no poder.
É o Orixá do elemento fogo, do raio e do trovão, e também das formações rochosas. Extremamente vaidoso e sensual Xangô teve várias mulheres e sempre conquistou quem ele quis. Sendo símbolo de elegância e refinamento masculino. Xangô é o bon vivant.
Pode-se afirmar que seu ponto fraco era a sensualidade devastadora e a intensa atividade sexual contadas em muitas lendas e cantigas. Xangô teve três esposas: Obá, a mais velha e menos amada; Oxum, que era casada com Oxossi e por quem Xangô se apaixona fazendo com que ela abandone o marido; e Iansã, sua primeira esposa e a única que o acompanhou em sua saída estratégica da vida, que foi raptada por ele enquanto vivia com Ogum.
Nem é necessário comentar que era odiado e invejado pelos homens.
Pierre Verger faz a seguinte descrição de Xangô na mitologia Yorubá:
“Xangô é viril e atrevido, violento e justiceiro; castiga os mentirosos, os ladrões e os malfeitosos. Por esse motivo, a morte pelo raio é considerada infamante. Da mesma forma uma casa atingida pelo raio é uma casa marcada pela cólera de Xangô. O proprietário deve pagar pesadas multas aos sacerdotes do orixá que vem procurar nos escombros os edùn àrá (pedras de raio) lançados por Xangô e profundamente enterrados no local onde o solo foi atingido.”
Aqui se apresenta mais uma faceta do Deus, o de justiceiro. Tanto que a ele se atribuem as questões jurídicas, onde os adeptos o buscam no intuito de resolver questões judiciais. O símbolo de Xangô é o machado de duas laminas estilizado, o Oxé. Que lembra muito o símbolo de Zeus em Creta.
Quarta-feira é o dia da semana consagrado a ele. E sua saudação é Kawó Kabiesilé (“Venham ver o Rei descer sobre a Terra!”). De acordo com uma de suas lendas, Xangô tinha o poder de cuspir fogo graças a um talismã que ele mandara Oiá-Iansã buscar em território bariba. No Brasil foi sincretizado com São Jerônimo.
Xangô era extremamente cortês e diplomático, mas não tolerava a menor contradição e mentira, deixando-se possuir por crises de cólera incontroláveis, chegando a perder o controle e ultrapassando limites. Ele é o fogo que rasga o céu, que destrói a Terra, mas que transforma e ilumina o caminho. Por isso a cor vermelha está associada a ele.
O vermelho, do fogo, é a cor da vida, da libido. Por essa razão Xangô é um orixá da vida. Ele abomina a morte e evita qualquer contato com os outros orixás que se associam a ela, como Omulu, a ponto de escolher a forma como morreu.
A associação mais óbvia de Xangô é com o Zeus grego e com Júpiter romano. Zeus, assim como Xangô é o rei poderoso, dono dos raios, autoritário, justo, voluptuoso e sensual. Outra associação seria com Baal – Hadad, o deus mais adorado entre os fenícios-cananeus. Deus das tempestades, da chuva, da névoa, do orvalho, era aquele que nutria as lavouras e trazia a fertilidade para a terra.
Outra divindade que divide com Xangô o arquétipo de senhor dos trovões é o germânico Thor. Este, assim como o Orixá, adorava disputas de poder e era o principal campeão dos deuses contra seus inimigos. Mas para compreender melhor Xangô, há que se considerar a lâmina IV do Tarot, o Imperador. Sentado em um trono com as pernas cruzadas, um rei é visto de perfil, com seu cetro na mão.
O Imperador representa a autoridade, a paternidade e a obediência. É o poder, o governo, e a proteção paternal. No Imperador, assim como em Xangô, está nossa experiência paterna, nossos ideais espirituais, nosso código de ética. Xangô pode então ser considerado o arquétipo paterno, nossa autoridade interior. A imagem arquetípica do pai nos permite ter auto-respeito e a enxergar nossa realeza, nosso lado digno, nossa nobreza.
O Imperador é o arquétipo do pai complacente e protetor, mas que pode se tornar irascível e vingativo, caso sua autoridade fosse desafiada. E aí reside a sua sombra, na rigidez e inflexibilidade. Concluindo, quando se aprende a lidar com esse arquétipo, ele pode fazer aflorar o potencial oculto de cada indivíduo, mas somente se o indivíduo estiver disposto a se submeter à disciplina, ética e justiça.
Com Xangô é necessário abrir mão de antigas crenças e preceitos ultrapassados e deixar queimá-los em seu fogo abrasador. Se assim não for sucumbiremos aos déspotas e tiranos externos e internos. Xangô também nos ensina que é necessário atender as necessidades físicas de prazer do corpo, mas que devem ser mesclados com princípios éticos provenientes do espírito. Sucumbir ao principio do prazer somente, pode nos tornar cegos, violentos e egocêntricos.
Por: Hellen Reis Mourão