27 de mai. de 2017

O que Umbanda, Espiritismo e Candomblé tem em comum?


Em suma, a relação mais evidente possível de enxergar entre a Umbanda, o Espiritismo e o Candomblé é a comunicação com os mortos. Cada vertente dessas, cada uma ao seu modo, com todas as suas peculiaridades, carregam um mesmo mecanismo de busca por contato seja com ancestrais culturais, seja com pessoas que morreram e se encontram em outras dimensões espirituais, seja com arquétipos que tem em si um mistério por trás de sua transitoriedade metafísica.



>> Fenômenos mediúnicos para o Espiritismo são universais, sempre existiram na Terra desde os primórdios, e o que se tentou foi codificar esses fenômenos de forma a poder obter um entendimento profundo a respeito das implicações que envolvem esse processo. O Espiritismo surgiu a priori como uma metodologia científica de investigação de leis espirituais e mediúnicas. Era influenciado pela filosofia positivista de Auguste Comte, que buscava através da ciência uma explicação para fatores que até então não tinham causas plausíveis. 

>> No Candomblé, o Orixá é um ancestral divinizado, alguém que passou pelo plano físico terrestre em determinada época e depois partiu. Nessa perspectiva, separam alguns Orixás que já viveram na terra; outros Orixás que fizeram parte da criação do mundo e retiraram-se para o Orun; e Orixás cultuados em árvores, como é o caso de Iroko, Apaoká... Cada pessoa que se inicia dentro do Candomblé encontra seu Orixá pessoal, ou seja, o Orixá, que é um ancestral divinizado, empresta suas características ao Iawo, que se faz presente em sua jornada como ponto forte de sua vida através dos arquétipos, dos mitos e lendas que compõem a esfera dessa Divindade proporcionando harmonia e abertura de caminhos.

>> A Umbanda traz em si uma perspectiva do Orixá como energia que podemos observar na natureza, no ar, na água, na terra, no fogo, em todos os processos químicos, físicos e bilógicos. E o contato com o mundo espiritual se faz através da manifestação de espíritos que incorporam no terreiro enquadrados em arquétipos específicos, trazendo mensagens de luz, de paz e amor. 

A diferença maior entre essas três vertentes se faz na questão cronológica de nascimento de suas doutrinas. 

>> Em 1848, duas irmãs de uma família tradicional da cidade de Hydesville (situada em Nova Iorque, Estados Unidos), trouxeram a público o fato de que estabeleciam contato com uma espécie de “agente invisível”, com o qual conversavam por meio de batidas nas paredes de sua casa. A partir daí, acontecimentos da mesma natureza foram registrados em diversas partes do mundo, até que o francês Allan Kardec decidiu estudá-los de perto. Em 1857, Kardec publicaria O Livro dos Espíritos, fundamentando, assim, a doutrina espírita de acordo com os ensinamentos que lhe foram transmitidos por esses mesmos “agentes invisíveis”, os quais passou a denominar como espíritos evoluídos.

>> Não é possível estabelecer quando foram realizados os primeiros rituais de Candomblé. Sabe-se, entretanto, que é um culto bastante antigo, criado por sacerdotes africanos que vieram para o Brasil como escravos entre 1549 e 1888. Tentaram de uma forma ou de outra continuar praticando suas religiões em terras brasileiras, juntando até várias religiosidades em uma casa só para a sobrevivência das mesmas cultuando Orixás, Voduns ou Nkisis, dependendo da nação. Tem, por base, a anima (alma) da Natureza, sendo, portanto, chamada de anímica por alguns.

>> A Umbanda é tida como religião verdadeiramente brasileira, que nasceu a partir da mescla de princípios do Catolicismo, do Espiritismo e do Candomblé e também do culto praticado pelos indígenas, conhecido como “pajelança”. Foi durante uma sessão espírita ocorrida em 1904 que o médium Zélio Fernandino de Moraes incorporou uma entidade que se apresentou como “Caboclo das Sete Encruzilhadas”. Poucos anos depois, com ajuda de espíritos que se apresentavam como ex-escravos (denominados, então, como pretos velhos) e ex-indígenas (ou caboclos) o médium fundaria o primeiro centro de trabalhos voltados à prática umbandista, em Niterói, Rio de Janeiro.


A Umbanda, foi anunciada dentro de um centro Espírita Kardecista. Entre ela e o Espiritismo existem algumas curiosidades. Como, por exemplo, a questão dos Guardiões. 

Para os Umbandistas que os tratam como Exus, essas entidades são mencionadas na obra de Chico Xavier como guardiões das casas Espíritas, ou seja, entidades espirituais que zelam pela proteção da casa. No Candomblé Exu é guardião das aldeias, cidades, casas e do axé, das coisas que são feitas e do comportamento humano. Existe uma relação interpretativa entre as três doutrinas muito próxima a respeito de um mesmo fenômeno.

Uma curiosidade entre a doutrina Espírita e a Religião de Umbanda é a questão do sexo. O Espiritismo nos diz que ora o espírito encarna como homem, ora como mulher.  Rubens Saraceni lançou um olhar nessa questão. Dizia ele que: 

"O espírito, em sua natureza, ou essência, pode ser mais ou menos passivo ou ativo tanto na natureza feminina quanto masculina e que aquele que tem uma natureza masculina quase sempre vai encarnar em corpo masculino, aquele que tem uma natureza feminina quase sempre vai encarnar num corpo feminino" 

Existe um texto de Chico Xavier que diz o mesmo:

“ Quem nasce homem quase sempre nasce homem, mas se tiver necessidade de nascer num corpo feminino pra aprender alguma coisa, ele nascerá”.

É certo dizer que além do fator cronológico, tratam-se de tipos distintos de doutrinas, até porque cada uma traz em si fundamentos próprios. Mas também é difícil dizer onde uma se separa da outra em totalidade. Espiritismo a princípio não tem rituais, já a Umbanda e o Candomblé sim e muitos.  Mas, são exageros tanto dizer que elas são totalmente desligadas, como também dizer que tem total ligação uma com a outra.  Mas é certo dizer que a relação MAIOR entre elas se dá no processo mediúnico de contato com a espiritualidade.

O que se convencionou chamar de "mediunidade", desde a publicação da obra de Allan Kardec, guarda pontos em comum até com o Xamanismo e outras experiências místicas, pois se trata de um fenômeno humano e fato religioso que se repete infinitamente na linha do tempo e do espaço.

O sociólogo, cadeira de Sociologia da USP, Cândido Procópio Ferreira de Camargo, na década de 60, especificamente em 1961, publicou o livro “Umbanda e Kardecismo” a fim de comentar sobre algo que ele chamou de “continuum mediúnico”. 

Ele caracterizou esse termo como o trânsito ou movimento religioso de médiuns que dão sentido a mediunidade tanto por meio da Umbanda como do Espiritismo. O "continuum" tal qual Camargo descreve age de mesma forma nos cultos afro brasileiros ou afro indígenas, o que fica evidente quando o autor fala de Umbanda mais africanista.

Embora, sejam três religiões diferentes, esse sociólogo define que Umbanda e Espiritismo são religiões mediúnicas e estendemos tal definição para o Candomblé.

Temos, portanto três religiões mediúnicas. 

Espiritismo, Umbanda e Candomblé.

  • Espiritismo e Umbanda em comum tem a mediunidade e os espíritos.
  • Umbanda e Candomblé em comum tem a mediunidade e os Orixás.
  • E enfim, as três em comum tem a mediunidade.
Isso é o que caracteriza o “continuum mediúnico”. O fato de a mediunidade ser trabalhada nas três é que dá uma certa flexibilidade a um trânsito de uma para outra.

O fato é que o transe mediúnico compõe a estrutura dessas três propostas de ligação com a espiritualidade, o transe dá sentido a vida de quem escolhe uma dessas doutrinas, e é possível com muita frequência acharmos pessoas que ora frequentaram uma doutrina e depois migrou para outra e encontrou possibilidades mediúnicas semelhantes de contato com os planos espirituais. Fora as semelhanças culturais e filosóficas, os valores de caridade e humildade.

"...Dizem que o que todos procuramos é um sentido para a vida. Não penso que seja assim. Penso que o que estamos procurando é uma experiência de estar vivos, de modo que nossas experiências de vida, no plano puramente físico, tenham ressonância no interior do nosso ser e da nossa realidade mais íntimos, de modo que realmente sintamos o enlevo de estar vivo..."  
(Joseph Campbell)

As religiões são criações humanas, elas podem partir de um princípio espiritual sim, porém é o ser humano que faz com que as religiões se consolidem, se fundamentem no plano terreno. A religião é em si um fator social. Porém, a mediunidade é universal, não trata-se de uma criação humana, ela é divina e o máximo que o ser humano consegue fazer é entrar em contato, sentir, ouvir, incorporar.

O Espiritismo, a Umbanda e o Candomblé são criações humanas capazes de fornecer sentido a quem encontrar-se junto a elas. Mas as questões metafísicas estão a quem de abordagens fundamentadas apenas nelas. 

Existe uma interpretação de mundo espírita, assim como existe uma interpretação de mundo candomblecista, e uma interpretação de mundo umbandista. E essas interpretações se entrelaçam de maneira cultural dentro do território brasileiro. Os espíritos são tão evoluídos em relação a essas nossas limitações, que são capazes de se manifestar na Umbanda obedecendo as questões arquetípicas de um Preto Velho, de  um Caboclo, e num centro espírita se manifestar com outra roupagem.

Somos nós que nos preocupamos com as fundamentações, mas os ancestrais e espíritos de luz não estão preocupados com esses fatores. Não estão preocupados quando tentamos dividir as delimitações religiosas, pois de onde estão sabem que delimitações não existem para questões divinas.

O Espiritismo, a Umbanda e o Candomblé se diferenciam pelo dia de seus nascimentos, pelas influências culturais que tiveram, pelos fundamentos que seus "líderes" foram capazes de codificar. Mas elas se interligam por algo muito maior, a mediunidade, pelo transe, pelo contato com fatores espirituais e divinos. E acredito que não devemos apenas apontar o que as diferem ou o que as assemelham. O todo é importante, é imprescindível que tenhamos cautela ao abordar esses temas, do contrário estamos passíveis de gerar conflitos desnecessários, fundamentalismos e preconceitos, quando que o que mais precisamos é entender e aceitar as pluralidades culturais e de crenças.  

"...O verdadeiro Espírita não é aquele que crê nas manifestações, mas aquele que aproveita o ensinamento dado pelos Espíritos. De nada serve crer, se a crença não o faz dar um passo à frente no caminho do progresso, e não o torna melhor para o seu próximo..."  
(Allan Kardec)

Referências:
  • Umbanda e o Sentido da Vida (Alexandre Cumino)
  • Umbanda e Kardecismo (Procópio Ferreira)
  • espiritualidades.com.br (Trajetória da Sociologia de Umbanda)


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