Xangô teria sido o 4º rei de Òyó (cidade fundada pelos descendentes de Odudua vindos de Ile Ifé). Xango, que já era rei de uma cidade menor chamada COSSÓ, virou rei de Oyó ao destronar seu irmão Ajacá Dadá.. Como rei, Xangô ficou conhecido por ser justo, por promover igualdade ao seu povo, por ser um bom administrador de recursos.
Porém teve uma morte trágica... Num fatídico episódio no qual Iansã lhe entregou uma poção que permitia cuspir fogo, ele incendiou sem querer o palácio de Oió. Em cerca de minutos a cidade virou cinzas.
E como castigo ele foi condenado pelos conselheiros e ministro do reino. Uns dizem que ele foi executado numa cerimônia de sacrifício, e outros dizem que ele foi condenado a se suicidar... O fato é que depois de sua morte, Xangô foi divinizado, como era comum acontecer com os grandes reis e heróis daquele tempo, e seu culto passou a ser o mais importante da sua cidade até hoje.
Isso que eu disse sobre a história de Xangô é a síntese mitológica contada na cultura Yoruba e que chegou até nós no processo de diáspora. Pouco se sabe verdadeiramente sobre ele, pois seu povo não dominava a escrita. Tudo nos chegou oralmente.
O fato é que de todos os Orixás que marcam a cidade Oyó, Xangô se tornou o mais proeminente e reverenciado. Foi difundido em todo território Iorubano. Mesmo as cidades que cultuavam outros Orixás tutelares, tiveram Xangô como referência. Isso era raro, mas Xangô foi uma figura realmente muito representativa e importante a ponto de ultrapassar barreiras de culto.
Durante muito tempo a força militar de Oió protegeu os iorubás de invasões inimigas e impediu que seu povo fosse caçado e vendido por outros africanos ao tráfico de escravos do Novo Mundo aqui nas Américas.
Quando o poderio bélico de Oió foi enfim destruído no final do século XVIII por seus inimigos, tanto a capital Oió como as demais cidades do império foram desmanteladas e ficaram totalmente desprotegidas. Os povos iorubás se transformaram em caça fácil para o mercado de escravos. Foi nessa época que o Brasil, assim como outros países americanos, passou a receber escravos iorubás em grande quantidade. Nesse processo eles vieram de diferentes cidades, traziam diferentes deuses, falavam dialetos distintos, mas tinham todos eles algo em comum: o culto ao deus do trovão, o rei de Oió, o orixá Xangô. Isso explica a enorme importância que Xangô ocupa nas religiões africanas e nas Américas.
Isso explica também o fato do primeiro templo Iorubá da Bahia ter sido dedicado a Xangô. Igreja da Barroquinha, nascida da iniciativa de negros iorubás que se reuniam religiosamente.
No Rio Grande do Sul, até hoje a expressão “nação Oió”, ou “Oió-ijexá” designa os terreiros de batuque de origem iorubá. A marca de Xangô continua ali muito presente.
Lá em Pernambuco, Xangô acabou por dar nome a toda a religião dos orixás, que tanto lá como em outros estados do Nordeste é conhecida como xangô. Você tem noção?? uma religião com nome do Orixá. Isso é muito forte.
Longe daqui, no Caribe, a palavra xangô também dá nome à religião dos orixás praticada em Trinidad-Tobago, nome que também pode ser observado entre populações americanas de origem caribenha na costa Atlântica do sul lá dos Estados Unidos.
Na Santeria Cubana, existe também uma supremacia ritual relacionada a Xangô. Onde os sacerdotes que são dedicados a Xangô gozam de determinados privilégios rituais.
Onde quer que tenha se formado alguma manifestação americana da religião dos orixás, seja o candomblé, o xangô, o batuque, o tambor-de-mina, a santeria cubana, ou o xangô caribenho, a memória do orixá Xangô, manteve o realce que o orixá detinha lá na África.
Xangô era o mais alto magistrado de seu povo, o juiz supremo. Sua relação com o ministério da justiça fez ele ficar conhecido como o senhor da justiça. Até hoje, mesmo quem não siga a religião de culto a Orixás sabe quem é Xangô.
Num mundo de tantas injustiças, desigualdades sociais, marginalização, abandono e falta de oportunidades de todo tipo, como este mundo em que a gente vive, o orixá da justiça ganhou cada vez mais importância e prestígio.
Um fato legal de observar é a importância de Xangô na constituição do candomblé, isso pode ser identificado quando examinamos as estruturas hierárquicas e a organização dos papéis sacerdotais do candomblé que remete ao ordenamento dos cargos da própria corte de Oió na época em que Xangô governou.
Não há dúvida que as sacerdotisas e sacerdotes que fundaram os primeiros templos de orixá no Brasil tinham grande intimidade com as estruturas de poder que que regiam a cidade de Oió. O candomblé é, de fato, uma espécie de memória em miniatura da cidade africana que o negro perdeu ao ser arrancado do seu solo de origem para ser escravizado no Brasil.
Vou listar aqui alguns cargos que você encontra no antigo reino de Oyo e que também foram ou são presentes nos candomblés brasileiros:
Èkejì por exemplo... é um título que no antigo reino de Oyo era um cargo sacerdotal da corte de alguém muito próximo e confiança do rei. E no Candomblé se tornou toda mulher não-rodante confirmada para cuidar do orixá em transe e dos seus pertences rituais.
Balògún é um outro exemplo... que era em Oyo um chefe militar. E no Candomblé se tornou cargo masculino de chefia da casa de Ogum.
Outro exemplo é Basorun. 1º ministro e presidente do conselho real de Oyo. E no candomblé é título dado ao homem que ajuda na administração do terreiro.
Nos cultos do Candomblé brasileiro Xangô ganhou também o que muitos chamam de qualidades de Orixá...
Xangô Agodô seria a qualidade do Xangô lá daquela lenda que contei no começo. Um Xangô que cospe fogo, arredio, guerreiro, violento.
Xangô Obacossô, Seria o Xangô rei da primeira cidade que ele governou, a cidade de Cossô, de um período em que ele era um rei cheio de ambições, jovem ainda querendo expandir seu território.
Xangô Jacutá, que seria equivalente Xangô das pedreiras “traduzido aqui pro nosso português macumbeiro”.
Xangô Afonjá, já seria a qualidade do Xangô mais maduro, pleno, senhor do seu reino gozando aí de um estado de plenitude.
Xangô Baru que seria o Xangô da força, da proteção, imponente como uma montanha... Um Xangô que fundamenta muitas práticas ritualísiticas do Candomblé em geral.
E temos também o complexo Xangô Airá.... que seria pra muitos um sincretismo entre o Vodum Airá e o orixá Xangô. Mas temos que lembrar também que existe um Orixá da cidade Savé no Benim que recebe o nome de Airá...
o fato é que tanto o Vodum Airá quanto o Orixá Airá são divindades ligadas a mistérios parecidos, a lua, a poder espiritual. O que muda especificamente entre eles é o fato do Vodum Airá ser feminino e o Orixá Airá ser masculino e velho...
No meu ver, no Candomblé brasileiro, Xangô airá é um Orixá com qualidades espirituais próximo a Obatalá e Oxaguian.. isso pq tem mitos que narram essa proximidade, Como Airá Intilé ou Airá Osi. Aí vc tem também ayrá ibonã que seria mais ligado a lua e todo a profundidade de mistérios que ela carrega...
Mas é um tema complexo falar sobre Xangô Ayrá , cabe até um vídeo só pra isso... Mais pra frente eu posso organizar um conteúdo a respeito desse tema..
E é possível você achar outras qualidades de Xangô nos candomblés por aí.. eu listei o que tive conhecimento nas minhas pesquisas e visitas... E eu indico muito a leitura do livro do sociólogo Reginaldo Prandi chamado Mitologia dos Orixas... Eu li ele pelo Kindle, e é um livro muito rico pq traz mais de 300 mitos que nos esclarecem muito sobre o panteão de deuses Iorubas...
Bom.. O que eu quis com esse vídeo foi trazer um pouco do referencial e o peso histórico que Xangô teve e tem na formação dos cultos aos Orixás... desde o seu reinado em Oyó, a sua transformação em Orixá, e depois seu poder de influência na formatação de cultos nas Américas...
Fica aqui minha total reverência a XangÔ, esse grande pai que nos ajuda e fortalece na luta do dia a dia. Que ele nos abençoe hoje e sempre...
Espero que vocês tenham gostado desse vídeo, e até a próxima. Axé!
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