27 de out. de 2018

Lugar de Fala nas Religiões Afro-Brasileiras

Esses dias estava refletindo sobre "lugar de fala" na sociedade, nisso me lembrei de uma vez em que um velho me disse que a Umbanda e o Candomblé estavam se "esbranquiçando" demais. Afirmava que o lugar de fala do negro estava sendo tomado pelo homem branco até dentro de suas religiões ancestrais. 


Na época não entendi muito bem, eu devia ter uns 18 anos, era novinho. Depois na faculdade percebi do que se tratava aquele "alerta", ele estava se referindo à questões de visibilidade, narrativa e empoderamento, 3 conceitos que validam e instrumentalizam as lutas daqueles que oprimidos historicamente buscam reconhecimento na sociedade.

Hoje vejo que aquele velho estava não só cheio de razão, mas também sendo profético. Tem sacerdotes brancos, cisgênero, do cabelo claro, graduados, que utilizam de um lugar de fala (que historicamente não seria deles) para desqualificar as lutas dos grupos que realmente deveriam estar falando a respeito das "sabedorias e angústias" contidas dentro dos Candomblés e das Umbandas. 

O homem branco, heteronormativo, tomou um lugar que não era dele, fez desse lugar uma forma de vender cursos e em épocas de efervescência política chegando ao ponto de validar o fascismo, e ainda querendo ter do alto desse lugar "roubado" do qual ocupa influenciar as pessoas numa narrativa descontextualizada da qual ele entende bulhufas.

Desse tipo de sacerdote eu passo longe. Historicamente ele não representa 1/3 do que as religiões de matrizes africanas precisam. Falar de cores de velas e normas de terreiro no YouTube do alto de sua branquitude e invalidar a resistência de todo o povo do axé é uma "afasia"... o papel do umbandista que não contém essas características de resistência é no mínimo dar espaço pra quem vive a resistência na raiz falar, sem querer se apropriar da narrativa. 

A narrativa política e histórica sobre religiões de matriz afro é do povo negro, ao não entender isso, o branquelo vai apenas projetar seus interesses econômicos e sociais de homem que mora no condomínio para a esfera de um debate que ele não tem propriedade pra falar... por isso que eu digo, você pode se dizer umbandista, mas ao discursar ou validar o discurso de políticos que falam contra os negros ou religiões de minoria você está agindo como um cidadão alienado às questões da religião. Não se sinta ofendido quando um líder realmente engajado e que vivencia a experiência real de resistência te der um toque dizendo que sua conduta não condiz. Ao ficar bravo você vai ficar parecendo um espantalho que põe guias no pescoço pra se sentir inserido numa religiosidade que no fundo não quer dizer nada para você... tem gente que é umbandista e tem gente que está umbandista. Eu aprendi que na roda de samba, no Candomblé e na Umbanda a gente precisa "entrar no sapatinho". Muita gente não só não entrou no sapatinho como se viu no direito de se apropriar da narrativa política desses grupos..

Então meu caro irmão.. falo numa boa... abaixa essa bolinha aí... Quando a "Casa de Oxumare" diz que algo cheira a fascismo, eu abaixo cabeça e respeito, eles representam o lugar de fala da ancestralidade que cultuamos. Você, fazendo vídeo no seu carro do ano ou no escritório do seu apartamento é só mais um tentando se apropriar de algo sem contextualizar o todo que envolve tudo isso... não use religiões de minoria como forma de expor seus preconceitos enraizados...


Por: Pirro D'Obá
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