O objetivo de toda religião é levar o ser humano a um determinado contato para com Deus, e desse contato fazer surgir um efeito positivo desse ser humano perante o Universo, o Mundo e as pessoas de sua convivência.
Mas para chegar até a religião não basta apenas querermos iniciar nela. Ninguém vira umbandista a toa, percorre-se um certo caminho até ali, caminhos para alguns tortuosos, para outros mais amenos. Porém, ninguém se torna umbandista pelo simples fato de ver conteúdos explicativos na internet ou coisas do tipo.
O fato é que não existem iniciantes em nenhuma religião, o que existe (e sempre ouviremos essa palavra) são os "iniciados".
Iniciado, ao contrário de iniciante, teve através da lei divina portais abertos para que sua consciência pudesse absorver os conhecimentos de determinada doutrina.
Os iniciados são pessoas que antes de se tornarem como tal, viviam alheias ao movimento das coisas que as cercavam, e que em determinado momento entraram em contato com as forças de Deus. Forças gerais, muitas vezes simples, mas que fazem o indivíduo refletir sobre si mesmo e sobre as questões da existência.
Após esse aparente "simples processo" o indivíduo acaba por sentir a necessidade de respostas. E assim sai em busca delas, acaba as encontrando nas religiões e nas filosofias mais próximas de sua cultura, e estabelece com o tempo um contato direto com elas, e de repente vê revelados para si certos mistérios.
Aí mora uma grande questão. Os mistérios revelados surgiram de um ciclo, onde o indivíduo perpassou um caminho entre: o choque da realidade, as questões existenciais, a busca de respostas e enfim um contato com a espiritualidade.
Sem esse ciclo percorrido não existiriam os mistérios revelados. O iniciado só se torna iniciado após esse aprofundamento pessoal e espiritual.
Por isso, é complicado para pessoas iniciadas em determinadas crenças, filosofias e rituais difundir aquilo que descobriu de maneira simplória, aberta ao público leigo, facilitando o acesso a determinadas informações.
Ao longo das eras, magos morreram e não passaram a frente seus segredos, druídas, bruxos, pajés e muitos detentores de sigilos ocultos foram embora da vida terrena sem abrirem seus mistérios por não verem segurança nas gerações que os cercavam.
Viram que segredos em mãos erradas trariam consequências desastrosas para humanidade e principalmente para o próprio sigilo que carregavam.
Na Umbanda é comum ouvirmos a expressão "Umbanda para Iniciantes". O que seria isso afinal? Cursos a respeito das mirongas de entidades, sobre mistérios e rituais de determinadas linhagens de Exu? Conceitos profundos a respeito da cosmologia umbandista?
Tenho pra mim que deve-se sim expandir a cultura umbandista, explicar coisas que encontram-se embaralhadas no inconsciente coletivo dos incautos e que gera preconceito. Explicar as coisas genéricas, cores de roupas e velas, sincretismos, banhos, conteúdos que possam fazer com que os "não umbandistas" respeitem e aceitem a religiosidade que praticamos, que saibam dividir o espaço conosco.
Mas, explicar os rituais, segredos e mistérios, abrir isso tudo a curiosos pode trazer consequências desastrosas.
Existe um ciclo mágico também na vida do umbandista. Ele muitas vezes não nasce no seio da religião, chega perto dela por alguma atração existencial, descobre as giras, vai mergulhando nas rotinas do terreiro, conversa com entidades e de repente se vê desperto numa religião que o condiciona a uma postura superior e mais conectada com Deus do que antes.
E assim ele estabelece um novo contato espiritual com os mistérios da natureza: através dos Orixás, das entidades, de tudo aquilo que faz parte da esfera umbandista. O que ele descobre a partir disso ele dificilmente revelará a qualquer um. Além de ser desnecessária a divulgação sintetizada dos resultados do seu ciclo, perceberá que dar acesso a qualquer pessoa sobre isso poderá resultar em algo negativo. É preciso muita confiança nesse processo de repasse do aprendizado profundo da religiosidade.
Disponibilizar conteúdos que revelam mistérios a uma massa grande de pessoas a respeito da Umbanda é algo muito perigoso. Não é possível saber se as pessoas que chegam estão vivenciando um ciclo profundo para absorver de maneira positiva aquilo que está sendo repassado.
Há relatos em que "iniciantes/iniciados" em cursos (sem profundos critérios de seleção) acabaram chegando em terreiros sem respeitar a cultura local dos sacerdotes, onde se colocaram como detentores de verdades que os sacerdotes ali não possuíam. E isso tudo pautados em quê? Cursos. Isso mesmo, cursos...
Por isso, na Umbanda, há entre a maioria daqueles que carregam anos dentro da religião, o hábito de cultuar a religião com discrição e concretos critérios de seleção para com quem fará parte da corrente e com quem receberá iniciações ritualísticas e teóricas.
Iniciação não é para iniciantes. Iniciantes todos somos na vida e tudo que a envolve. Mas na Umbanda e em qualquer "religião de mistérios" o iniciante só chega depois de um processo profundo em sua existência, após um impacto, um choque, uma catarse...
O iniciado só emerge quando o iniciante se desconstruiu por escolha própria em seu exercício do livre arbítrio. Entre um iniciante e um iniciado existe uma diferença gigantesca, um abismo que os separa.
Antes de repassar os mistérios que você carrega, analise bem quem os receberá, se irão tratar com carinho e respeitar a genealogia do que receberam.