1 de dez. de 2016

Onde Zé Pelintra e o Filósofo Nietzsche se encontram - Por: Fernando Ribeiro

*Composição de texto: Fernando Ribeiro (Pirro D'Obá)

"Amor fati" é uma expressão latina muito famosa e que resumidamente significa “amor ao destino”. Para o filósofo alemão do século XIX Friedrich Nietzsche, significa uma “aceitação integral da vida e do destino humano” mesmo em seus aspectos mais cruéis e dolorosos... 

O pensamento de Nietzsche teve grande influência no século XX, principalmente na Europa Continental. Durante a última década de sua vida e na primeira década do século XX. Suas ideias atraíram pensadores e artistas que se viam na periferia da sociedade normativa estabelecida, tanto em seu jeito de ver as coisas como em sua maneira de fazer arte. Para eles, Nietzsche servia como um estandarte para a criação, para a vida plena e para a arte explosiva e empolgante. Teve importância crucial no desenvolvimento da maneira como a sociedade contemporânea enxerga a vida.

Mas, qual seria a relação de Nietzsche e nossa entidade Zé Pelintra de Umbanda?

Bom, o conceito de “amor fati” do filósofo já nos dá uma boa pista. Pois sabemos que nossos malandros nos trazem uma mensagem muito parecida quando incorporados nos terreiros, abordam as diversas formas de contornarmos os problemas da vida com maestria e malemolência.

Afinal, quem sobreviveria a vida numa falta de sentido? Quem sobrevive ao “niilismo” sem estabelecer alguns parâmetros de análise e postura perante as coisas?

Mesmo os ateus, por mais descrentes que possam se afirmar, no fundo gostam de algo que possa mexer com suas sensações. Uma bebida, filmes, passeios, enfim, “nem só de ciência vive o homem”. Todos nós buscamos ou precisamos nos apegar em algo que nos faz vibrar para conseguir lidar com os “meios e fins” da vida social. Só sobrevive a vida quem aprende a dizer sim! Aquele que afirma o mais pesado dos pesos, aquele que aprende a amar a existência em sua plenitude.

Nietzsche ensina que um “sim” justifica toda a existência. O filósofo pede para que façamos a seguinte pergunta:

“Minha vida, tal como a tenho vivido até agora, é resultado de uma afirmação ou é resultado do medo e da fraqueza?”

Para ele, levar a vida de maneira positiva só é possível depois dessa reflexão. Pois só após entender o que “te move e o que te limita” é que poderá fazer com que busque esquemas lógicos que circulem e que não sejam limitados pelas circunstâncias e contingências da existência.

O amor-fati é o resultado desta reflexão:
“Amamos devidamente este mundo para interiorizarmos o amor fati?”

Ou, na perspectiva de nosso Zé Pelintra:
“Estamos levando a vida com a devida malandragem?”

[1] Aprender a amar nosso destino e encontrar beleza no necessário, essa é a grande lição de Nietzsche. Dizer sim à vida, pois só ela existe e somente ela traz valor em si mesma. Afirmar a realidade e viver em sintonia consigo mesmo e contribuir assim para que tudo se torne mais belo, mais forte, mais “potente”.

Quando estreitamos nosso contato com Zé Pelintra na Umbanda, podemos ver sua busca por nos vivificar, colocando nossos potenciais e virtudes para fora com sua alegria e gerando em nós uma sensação inigualável de que a “vida vivida” é maravilhosa. Nos mostra que todo bom malandro atua de forma pontual, presente e incisiva. O “Sr Zé” atua em nossas vidas com seus conselhos doutrinadores e direcionadores, fazendo com que todos nós acordemos de nossas falhas e nos movimentemos de forma nunca antes vista para as conquistas e consertos dessas falhas.

[1] Essa lição serve tanto para momentos de felicidade como para momentos de desespero. Transformar o “foi assim” em “eu quis assim” dá um sentido próprio ao que aconteceu. A parte não pode ser separada do todo. Nos integramos assim no uno do universo.

Todos os fatores da vida estão dentro das leis de ação e reação, onde nada que se sucedeu pode ser modificado, e o passado pode ser apenas entendido. Nessa lógica é preciso afirmar até mesmo o erro, afinal de contas, ele não é um erro! Ele era absolutamente necessário naquele momento para nossa “auto lapidação” como ser humano.

"...Na prática, o que interessa para as propostas, para as escolhas, para as decisões e para as ações de uma vida é que tudo isso tenha um sentido. Quem caminha sem pensar num sentido, vai caminhar sem essência e, no fundo, está perdido, em nada se satisfaz e em nada se realiza. Portanto, a primeira sabedoria que um homem tem que adquirir é uma resposta lúcida para qual o sentido de sua vida..."

[1] O homem precisa criar sentido e justificar a realidade. Dar sentido, dar valor, é amar. Redimir o passado, desatar os nós do ressentimento, dissolver a má-consciência que só acusa ou só sente inveja, e seguir numa inversão dos valores corrosivos da sociedade.

Afirmar o destino e a vida, negando toda calúnia, toda desvalorização, toda acusação que possa ser feita contra ela desperta em nós a mais pura essência da felicidade, da conquista, da alegria de viver e sorrir. Esses ensinamentos se fazem muito presentes em Zé Pelintra por sua tão próxima densidade conosco, a energia de um malandro faz nosso coração pular e nossos chacras pulsarem.

É bom deixar claro que, o “amor-fati” não implica em resignação, sua lição não é de aceitação passiva, muito menos acovardar-se diante das coisas e das pessoas. Não devemos abaixar a cabeça e aceitar tudo, muito menos virar a outra face. A questão está em entender as diversas nuances envolvidas dentro da experiência humana, e perceber a melhor maneira de lidar com elas sem deixar que as consequências positivas ou negativas sejam imperativas sobre a sua forma de ver o mundo. 

O sentido da vida afinal é que estamos vivos. É tão claro, tão óbvio e tão simples. Mesmo assim, o mundo não para de correr em pânico, como se fosse necessário conseguir alguma coisa além de si próprio, além de um domínio sobre suas próprias turbulências e dificuldades.

Não dar ouvidos aos pessimistas que nos rodeiam, que insistem em nos reduzir a um grau inferior de consciência e vibração é uma forma de nos afirmar, e de nos portar como um ser humano que busca a plenitude filosófica e espiritual. Por isso a luta também faz parte deste amor; não se pode apenas entender que existem paradoxos e contradições, é necessário amá-los. Devemos amar a luta, a revolta e a insubmissão também fazem parte. No todo não há espaço apenas para um posicionamento, temos de utilizar da inércia e do movimento, da ação que suportamos e a ação que somos capazes de gerar.

[1] Dizer “Não” é apenas um passo metodológico para se dizer “Sim” cada vez mais alto!

Quem nunca ouviu a famosa frase de um malandro: “...Malandro que é malandro, caminha em qualquer lugar...”? Ou seja, o “entrar e sair” do Zé Pelintra, esse “saber lidar” com as diversas situações, andar no alto e no embaixo, na luz e na escuridão, na direita e na esquerda exemplifica muito esse conceito. É vontade de estar no mundo! Vontade de amar! O amor fati...
  
“Quero cada vez mais aprender a ver como belo aquilo que é necessário nas coisas. Amor-fati [amor ao destino]: seja este, doravante, o meu amor! Não quero fazer guerra ao que é feio. Não quero acusar, não quero nem mesmo acusar os acusadores. Que minha única negação seja desviar o olhar! E, tudo somado e em suma: quero ser, algum dia, apenas alguém que diz Sim!”  
Nietzsche

Referências:

  • Razão Inadequada (Rafael Trindade)
  • A Genealogia da Moral (Nietzsche)
  • A Arqueologia do Saber (Michel Foucault)
  • A Linha de Malandros na Umbanda (UmbandaGratis)



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