Existe um conceito muito interessante estudado em Sociologia (principalmente por Antonio Gramsci) que se chama “Hegemonia”.
Hegemonia para a ciência política expressa a dominação ou predominância ideológica de um "grupo social" sobre outros dentro de determinado contexto da sociedade. Ou seja, para que um grupo consiga atingir predominância e respeitabilidade, é necessário que ele atinja “hegemonia social”, é necessário que consiga espaço para expressar politicamente os ideais que seu grupo carrega.
Na perspectiva do pensador italiano Antonio Gramsci (1891-1937), existem mecanismos de construção de uma hegemonia; ela pode
ser alcançada de diversas formas: pela cultura, pela arte, pela política, pela
ação social. Logo que a sociedade é um local habitado por ideias que ora se encontram ou se contradizem, que ora se apoiam ou se conflitam. Essas ideias buscam através de
instrumentos diversos ganhar superioridade frente a questões internas
e externas do próprio grupo da qual ela faz parte.
Toda ideia de um "grupo" não busca apenas reconhecimento
social externo; antes de tudo busca reconhecimento interno desse próprio "grupo".
Não é a toa que temos sindicatos e federações diversas espalhadas pelo mundo
para representá-los politicamente.
Esses sindicatos e federações tem por princípio reunir os ideais
de determinados grupos para conseguir formular diretrizes de execução de suas tarefas, e defendê-los juridicamente diante dos processos existentes em seus
meios de subsistência.
É necessário entender que dentro da sociedade, os grupos se ramificam a todo tempo, os
ideais que em determinado período se encontravam em unicidade uma hora se divergem; o que antes existia em concordância, em determinado momento
começa a se afastar. Assim, diante desse fenômeno os sindicatos e federações vão também se ramificando
de acordo com esses fatores e conflitos.
Ideais se dividem, e como consequência as vertentes nascidas
desses ideais buscam reconhecimento paralelo através de outras representações
sindicais ou federativas que coincidam com suas novas maneiras de pensar. Isso explica o motivo pelo qual encontramos tantos sindicatos, agremiações, federações e até partidos políticos espalhados. Tudo por conta das ramificações ideológicas existentes no meio social e principalmente das vertentes subsequentes que surgem através das rupturas de ideais
Sabemos que existem vertentes dentro da Umbanda, assim como
existem vertentes do catolicismo, do protestantismo, assim como existem também vertentes ideológicas das mais diversas formas de abordagens a respeito do
mundo. Essas vertentes são saudáveis para a oxigenação do fluxo
social, dos processos intelectuais e da própria religiosidade. E em cada tipo de
proposição ideológica que se ramifica, sabemos que existem forças buscando um reconhecimento
maior das pessoas e dos poderes ao seu redor.
Nenhuma ideia sobrevive no isolamento, e assim, busca-se
através de determinados mecanismos atingir um grau hegemônico que possa lhe trazer
certa substância de reconhecimento na sociedade. Toda nova vertente que surge,
no seu âmago quer ser reconhecida.
Assim, as vertentes de determinada religiosidade são
consequências de ideais que até certo momento estavam em concordância,
mas que se separaram por algum aspecto específico.
Na Umbanda isso também
aconteceu. Vertentes mais esotéricas surgiram, vertentes mais africanistas
surgiram, vertentes mais populares, mais indígenas, mais espíritas e católicas
surgiram. E nenhuma delas quis ou quer deixar de ser reconhecida dentro da Religião de
Umbanda.
Na “internalidade” sabemos que existem “Umbandas dentro da
própria Umbanda”, elas nasceram e se ramificaram, e cada ramificação olhou para
os processos fundamentais da Religião de maneira diferente. Ou seja, por mais
que se diga que a Umbanda é "uma só", na prática percebemos que existem diversas
perspectivas teológicas diferentes dentro da própria Umbanda.
Cada ramificação dela tentou se estabelecer hegemonicamente ao
longo do tempo. Os umbandistas criaram federações representativas que pudessem
servir de mecanismo jurídico para validar suas ações.
E existem diversas federações umbandistas espalhadas pelo Brasil. Todas elas com certo caráter de
agremiação, fundadas para defender os interesses daqueles que escolheram se
filiar a elas. Nelas você encontra várias prerrogativas capazes de dar a seu
terreiro a autonomia necessária para funcionar. Desde apoio jurídico,
doutrinário e sacerdotal, até a poderes políticos no meio umbandista e na própria
região a qual seu terreiro funciona.
As federações foram meios políticos e jurídicos que os umbandistas encontraram
para se articular "ideologicamente" dentro do território nacional. Esse processo teve seus "prós e
contras", pois não há como negar que gerou rinchas e desavenças na busca por um poder maior. Porém, tratou-se de um mecanismo muito eficiente para que terreiros
deixassem de funcionar na marginalidade jurídica e expostos a contratempos.
Alguns terreiros (após o período em que a federações pareceram ser fundamentais) ganharam autonomia, e depois de entenderem as
regras jurídicas, buscaram eles mesmos legalizar suas casas sem estarem filiados
a determinadas agremiações federativas ou associações. Isso a meu ver é enfim uma conquista da
Umbanda. Pois, assim como intelectuais ganharam maturidade e deixaram de se filiar a
determinados partidos políticos buscando independência para pensar, terreiros (através de
seus dirigentes) passaram pelo mesmo processo, entendendo que podem por si se articularem jurídica e politicamente sem necessariamente estarem "linkados" a mecanismos
representativos formais e agremiativos.
O processo hegemônico da Umbanda, que por um longo momento foi
pautado pelo poder das federações, hoje obedece também a outros mecanismos de construção de hegemonia.
A internet é ponto chave desse processo.
Através da internet determinados seguimentos (vertentes) da
Umbanda ganharam espaço intelectual, e dessa forma colaboram para um avanço representativo cultural do grupo ao qual faz parte. Ensinos a distância expõem os ensinamentos a um número maior de adeptos ou simpatizantes, e
dessa forma consegue predominância ideológica.
Particularmente, não tenho crítica a esse processo de construção de
hegemonia atual, porém, apenas pontuo que os representantes sacerdotais, os professores
que repassam o conteúdo, e até aqueles que tem um espírito mais profundo e crítico
a respeito do tema, possam elaborar e repassar seus conteúdos respeitando as outras “vertentes”
da Umbanda. Pois sabemos, somos plurais, temos diversidades cosmológicas e filosóficas
de nossas práticas e liturgias.
As vezes, um curso a distância, ao entrar em contanto com pessoas que desconhecem essas particularidades contextuais da Umbanda, pode não explanar muito bem que não existe a "vertente" correta, é necessário mostrar que existem aquelas vertentes que são hegemonicamente mais fortes e que isso é só um processo político e social. Não existe vertente correta e nem mais forte. O fato de um curso EAD ter mais alunos do que cursos presenciais de outros seguimentos não quer dizer que faça do EAD um fim em si mesmo. Aliás, o compromisso desses cursos se torna até mais importantes, pois precisam fundamentalmente entender que estão lidando essencialmente com o "empoderamento umbandista". Não entender esses fatores é desconsiderar as complexidades que envolvem a Umbanda, como resistência contra a intolerância religiosa e o fornecimento de bases realmente pedagógicas para a formação das identidades dos umbandistas não só por vertentes, mas sim pelo movimento da Umbanda como um todo.
As vezes, um curso a distância, ao entrar em contanto com pessoas que desconhecem essas particularidades contextuais da Umbanda, pode não explanar muito bem que não existe a "vertente" correta, é necessário mostrar que existem aquelas vertentes que são hegemonicamente mais fortes e que isso é só um processo político e social. Não existe vertente correta e nem mais forte. O fato de um curso EAD ter mais alunos do que cursos presenciais de outros seguimentos não quer dizer que faça do EAD um fim em si mesmo. Aliás, o compromisso desses cursos se torna até mais importantes, pois precisam fundamentalmente entender que estão lidando essencialmente com o "empoderamento umbandista". Não entender esses fatores é desconsiderar as complexidades que envolvem a Umbanda, como resistência contra a intolerância religiosa e o fornecimento de bases realmente pedagógicas para a formação das identidades dos umbandistas não só por vertentes, mas sim pelo movimento da Umbanda como um todo.
Hoje, a busca por hegemonia é cultural através da internet e
das redes sociais. Que possamos entender que esse filme já se passou em
diversos momentos da Umbanda no passado. Não trata-se de algo novo, trata-se apenas de mecanismos tecnológicos que transitam na mesma temática conceitual hegemônica por outros vieses.
Seja por processos federativos, por
congressos, ou hoje por exposição de conteúdo “doutrinário” ou “teológico” nas mídias. Que saibamos respeitar a pluralidade, que saibamos perceber as "Umbandas na Umbanda".