2 de out. de 2015

Espiritualidade Metropolitana

Estar ajustado neste mundo desajustado, ou ter alcançado algo como status e poder temporal, não significa estar bem ou ter encontrado uma luz para nossas vidas.

Mesmo quem tenha uma condição financeira e seja feliz, demonstrando estar ajustado e confortável neste mundo, se for sincero e tiver uma boa visão da sociedade em que vive como um todo, saberá, no fundo que faz parte de um sistema doentio e decadente. Ser saudável, equilibrado e feliz implica ter uma consciência do todo ao qual fazemos parte como um grão. Nós todos respiramos o mesmo ar, vivemos da mesma natureza e compartilhamos da mesma realidade. No entanto, em suas realidades particulares, cada um vê o mundo comum com o filtro de seus próprios valores. Independentemente de sua filosofia de vida ou religião, podemos dividir as pessoas entre aquelas que tem consciência do todo e aquelas que não tem consciência.

Viver em sociedade implica uma série de compromissos e responsabilidades para o sistema em que estamos inseridos, que é regido por leis escritas e determinadas pela constituição e regras que nem sempre são claras, mas que, muitas vezes, se tornam um peso na vida daqueles que tem dificuldade em se ajustar as cobranças e expectativas coletivas desta sociedade. Por conta disso, muitas pessoas vivem como autômatos apenas cumprindo horários e funções, vivendo sem consciência e assumindo como seus os valores do senso comum, com seus conceitos e preconceitos. Isto é forte em todas as sociedades, é descrito por Charles Chaplin em seu filme "Tempos Modernos", foi ressaltado pela era industrial e anunciado por sociólogos e filósofos que chamavam a atenção para a alienação em que entra o homem que vive como se fosse apenas uma engrenagem da sociedade, que deve cumprir sua função para que a máquina não pare. Quanto mais urbana e metropolitana for uma comunidade, mais forte serão sentidas essas verdades e seus efeitos na vida dos cidadãos que se amontoam em prédios cinzas em meio a frieza do dia a dia, em que não existe tempo para si mesmo, para a natureza, a poesia e o amor.

Buscamos espiritualidade em geral e na Umbanda em particular, um sentido para a vida; buscamos sentir que estamos vivos e não apenas “mortos vivos” automatizados, cumprindo papéis neste teatral mundo das aparências e espetáculos. Para tal, precisamos nos libertar deste ciclo vicioso do que é certo ou errado, deste peso do auto julgamento e do julgamento alheio, de como devo me comportar, falar ou vestir. Deixar de ser aquele que corresponde as expectativas do “outro” para sermos nós mesmos, para descobrir quem somos nós.

Precisamos viver e sentir a vida correndo em nossas almas, como as águas cristalinas de um rio que corre para o mar. 

A questão é tão profunda que muitos vivem uma espiritualidade sem sentido para a vida e outros vivem a vida sem sentido para a espiritualidade, tudo muito superficial e desconectado de um todo, ou de uma verdade que seja maior que todos nós. Aderem a esta ou aquela religião como quem passa a fazer parte de um clube social, em busca de mais um rótulo, diploma ou cargo para seu currículo. 

Confundem os valores internos do espírito por práticas externas, mostram-se evoluídos pelas roupas que vestem, pela alimentação vegetariana, pela erudição e até usam o não fumar e não beber para enfatizar seus valores, ou para diminuir o outro. Desconhecem que uma verdade maior deve ser maior que todos nós, maior que todas as culturas e todas as raças, que uma verdade maior desta forma engloba todas as culturas, todas as raças e todas as religiões. Uma verdade maior não deixa ninguém de fora. E uma realidade metropolitana, o confronto de ideias, de religiões, filosofias e raças é cada vez maior. O choque é sentido pelos grupos que se sentem em minoria e discriminados, no entanto, apenas desse choque, apenas desse confronto, é possível nascer algo que seja maior que todos. Apenas do encontro dos diferentes, somos capazes de descobrir um pouco mais sobre nós mesmos. Quando nos descobrimos diferentes e nos esforçamos por viver juntos, é que vamos descobrir quais são as verdades que podem nortear a todos, sem distinção de raça, credo, condição social ou opção sexual, por exemplo. 

O que é bom e é maior deve ser bom para todos, e esta verdade é cada vez mais difícil quando os diferentes estão todos juntos num mesmo grupo e em choque por suas diferenças, por seu ego e a vontade de se destacar que cada grupo tem para assumir o topo da montanha e gritar a supremacia de sua filosofia, de seus valores ou de sua raça. Assim é o ser humano e assim é a sociedade metropolitana, o mundo urbano, a realidade plural e diversa. 

Não há resultados positivos, nem o nascimento de novos saberes sem o confronto inicial. Vivemos este momento em nossa sociedade, o momento do confronto; no entanto, é certo que no futuro, desse confronto o resguardo dos direitos iguais para todos os grupos e a ideia de que todos temos os mesmos deveres e direitos dentro de uma sociedade justa. Em tese, isto já existe, no papel e na lei, mas, na prática, ainda é uma novidade, pois a sociedade, em suas várias camadas, ainda não tem consciência desses valores. O micro em que se insere cada cidadão ainda não tem ideia do macro em que se inserem todos os cidadãos como uma unidade na qual cabem muitas diversidades. 

Mesmo nas religiões, em suas práticas e discursos, ainda existem muitos resquícios de valores que servem apenas a determinados grupos e que são usados para justificar o sentimento falso, ilusório e efêmero de superioridade de uns em detrimento de outros. São esses sentimentos segregacionistas, essas ideias de superioridade, que realizaram a Inquisição, que alimentaram o nazismo, que assassinaram milhares de pessoas em Ruanda, que realizou a escravidão dos povos negros e que, ainda hoje, alimenta alguns seguimentos sociais e religiosos com ideias de superioridade. É infantil e hipócrita, tanto o religioso que demoniza a religião alheia quanto o ateu que infantiliza o sentimento de fé do outro. É doentia toda forma de fobia contra as escolhas e características que fazem parte do outro e que, por isso, se vê diferente dele mesmo. 

A Umbanda nos ensina que somos espíritos que nascem muitas vezes, cada uma delas em corpos diferentes, em raças diferentes, em condições sociais diferentes e culturas diversas. Desta forma, a Umbanda ensina que as diferenças são passageiras e superficiais e que o que vale são nossos sentimentos e valores com relação a nós mesmos, ao outro e ao todo ao qual fazemos parte. 

Estas palavras são reafirmadas no momento em que as entidades espirituais que se manifestam na Umbanda assumem a identidade de diferentes culturas e raças. Num templo de Umbanda, você é levado a se confrontar com o diferente, ao mesmo tempo que aprende a respeitar o que há de bom nessas diferenças e o que há de valor além das aparências ou das formas. Num templo de Umbanda, os guias espirituais são nossos mestres e eles se apresentam como índios, caboclos, preto-velhos, crianças, baianos, exus, pombagiras, e outras formas e arquétipos que nos farão aprender que todos carregam algo a nos ensinar. Só há algo a aprender com o diferente e esta é a beleza do ser humano: suas diferenças e a sabedoria que há inserida em cada forma diversa de ver o mundo com outros olhos. Cada entidade, espírito-guia, revela um olhar diverso para este mundo. No entanto, todos conduzem a uma verdade que seja maior que todos eles, maior que todos nós, maior que tudo e que sirva de bem comum sem excluir ninguém. 

As palavras do Caboclo das 7 Encruzilhadas, dizendo que receberemos a todos e que a ninguém vamos virar as costas, mostram o poder de inclusão da religião, a capacidade de aceitar o outro, de procurar entender o diferente e de busca por algo que sirva a todos sem nenhum excluído, sem marginalizar nem discriminar o ser humano. Cada um de nós é uma alma e um coração, e não podemos discriminar almas e corações. 

Por isso, e muito mais, não consigo traduzir em palavras, apenas em emoção: a Umbanda é um chamado a espiritualidade metropolitana. A Umbanda é oportunidade de viver algo real e profundo sem fugir do mundo, ou sem criar um mundinho mesquinho e particular dentro de um mundo que pertence a todos e não a alguns escolhidos. 

Espiritualizar-se em um retiro nas montanhas, ou crer que você e seu grupo estão acima dos demais, é muito fácil e cômodo, não dá trabalho. O primeiro não se confronta com o outro e o segundo já condenou o outro ao inferno. Espiritualidade é aceitar a si mesmo e aceitar o outro como parte de uma realidade maior, uma única realidade em que todos somos UM. Ou seja, nesta BANDA, realidade de todos nós, nosso objetivo é nos tornar UM. Queremos, sim, nos tornar UM com Deus, mas isto não acontece antes de nos tornarmos UM com nosso semelhante. Tornar-se UM com Deus ao mesmo tempo em que se quer estar separado do diferente é apenas uma ilusão. Só somos UM com Deus se conseguirmos nos tornar UM com o Todo, e isso inclui todas as pessoas, as mais diversas principalmente. O único caminho é o caminho da consciência, de nos tornarmos conscientes do Todo e que fazemos parte do Todo. O caminho para isso é a aceitação de todos como partes do Todo. Isto é a entrega a algo maior que todos nós, isto é o UM da UMBANDA. 

Portanto, pretendemos nos espiritualizar dentro dos grandes centros metropolitanos, meditar em meio ao caos urbano e descobrir que as diferenças também nos unem enquanto descobrimos o encanto e a beleza que há em cada um de nós e no outro. 

Quer saber como? MEDITE!! 


Por: Alexandre Cumino
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