16 de dez. de 2016

Hegemonia Política e Cultural Umbandista - Por: Fernando Ribeiro


Existe um conceito muito interessante estudado em Sociologia (principalmente por Antonio Gramsci) que se chama “Hegemonia”.

Hegemonia para a ciência política expressa a dominação ou predominância ideológica de um "grupo social" sobre outros dentro de determinado contexto da sociedade. Ou seja, para que um grupo consiga atingir predominância e respeitabilidade, é necessário que ele atinja “hegemonia social”,  é necessário que consiga espaço para expressar politicamente os ideais que seu grupo carrega.

Na perspectiva do pensador italiano Antonio Gramsci (1891-1937), existem mecanismos de construção de uma hegemonia; ela pode ser alcançada de diversas formas: pela cultura, pela arte, pela política, pela ação social. Logo que a sociedade é um local habitado por ideias que ora se encontram ou se contradizem, que ora se apoiam ou se conflitam. Essas ideias buscam através de instrumentos diversos ganhar superioridade frente a questões internas e externas do próprio grupo da qual ela faz parte.

Toda ideia de um "grupo" não busca apenas reconhecimento social externo; antes de tudo busca reconhecimento interno desse próprio "grupo". Não é a toa que temos sindicatos e federações diversas espalhadas pelo mundo para representá-los politicamente. 

Esses sindicatos e federações tem por princípio reunir os ideais de determinados grupos para conseguir formular diretrizes de execução de suas tarefas, e defendê-los juridicamente diante dos processos existentes em seus meios de subsistência.

É necessário entender que dentro da sociedade, os grupos se ramificam a todo tempo, os ideais que em determinado período se encontravam em unicidade uma hora se divergem; o que antes existia em concordância, em determinado momento começa a se afastar. Assim, diante desse fenômeno os sindicatos e federações vão também se ramificando de acordo com esses fatores e conflitos.

Ideais se dividem, e como consequência as vertentes nascidas desses ideais buscam reconhecimento paralelo através de outras representações sindicais ou federativas que coincidam com suas novas maneiras de pensar. Isso explica o motivo pelo qual encontramos tantos sindicatos, agremiações, federações e até partidos políticos espalhados. Tudo por conta das ramificações ideológicas existentes no meio social e principalmente das vertentes subsequentes que surgem através das rupturas de ideais 

Sabemos que existem vertentes dentro da Umbanda, assim como existem vertentes do catolicismo, do protestantismo, assim como existem também vertentes ideológicas das mais diversas formas de abordagens a respeito do mundo. Essas vertentes são saudáveis para a oxigenação do fluxo social, dos processos intelectuais e da própria religiosidade. E em cada tipo de proposição ideológica que se ramifica, sabemos que existem forças buscando um reconhecimento maior das pessoas e dos poderes ao seu redor.

Nenhuma ideia sobrevive no isolamento, e assim, busca-se através de determinados mecanismos atingir um grau hegemônico que possa lhe trazer certa substância de reconhecimento na sociedade. Toda nova vertente que surge, no seu âmago quer ser reconhecida.

Assim, as vertentes de determinada religiosidade são consequências de ideais que até certo momento estavam em concordância, mas que se separaram por algum aspecto específico. 

Na Umbanda isso também aconteceu. Vertentes mais esotéricas surgiram, vertentes mais africanistas surgiram, vertentes mais populares, mais indígenas, mais espíritas e católicas surgiram. E nenhuma delas quis ou quer deixar de ser reconhecida dentro da Religião de Umbanda.

Na “internalidade” sabemos que existem “Umbandas dentro da própria Umbanda”, elas nasceram e se ramificaram, e cada ramificação olhou para os processos fundamentais da Religião de maneira diferente. Ou seja, por mais que se diga que a Umbanda é "uma só", na prática percebemos que existem diversas perspectivas teológicas diferentes dentro da própria Umbanda.

Cada ramificação dela tentou se estabelecer hegemonicamente ao longo do tempo. Os umbandistas criaram federações representativas que pudessem servir de mecanismo jurídico para validar suas ações. 

E existem diversas federações umbandistas espalhadas pelo Brasil. Todas elas com certo caráter de agremiação, fundadas para defender os interesses daqueles que escolheram se filiar a elas. Nelas você encontra várias prerrogativas capazes de dar a seu terreiro a autonomia necessária para funcionar. Desde apoio jurídico, doutrinário e sacerdotal, até a poderes políticos no meio umbandista e na própria região a qual seu terreiro funciona.

As federações foram meios políticos e jurídicos que os umbandistas encontraram para se articular "ideologicamente" dentro do território nacional. Esse processo teve seus "prós e contras", pois não há como negar que gerou rinchas e desavenças na busca por um poder maior. Porém, tratou-se de um mecanismo muito eficiente para que terreiros deixassem de funcionar na marginalidade jurídica e expostos a contratempos.

Alguns terreiros (após o período em que a federações pareceram ser fundamentais) ganharam autonomia, e depois de entenderem as regras jurídicas, buscaram eles mesmos legalizar suas casas sem estarem filiados a determinadas agremiações federativas ou associações. Isso a meu ver é enfim uma conquista da Umbanda. Pois, assim como intelectuais ganharam maturidade e deixaram de se filiar a determinados partidos políticos buscando independência para pensar, terreiros (através de seus dirigentes) passaram pelo mesmo processo, entendendo que podem por si se articularem jurídica e politicamente sem necessariamente estarem "linkados" a mecanismos representativos formais e agremiativos.

O processo hegemônico da Umbanda, que por um longo momento foi pautado pelo poder das federações, hoje obedece também a outros mecanismos de construção de hegemonia. A internet é ponto chave desse processo.

Através da internet determinados seguimentos (vertentes) da Umbanda ganharam espaço intelectual, e dessa forma colaboram para um avanço representativo cultural do grupo ao qual faz parte. Ensinos a distância expõem os ensinamentos a um número maior de adeptos ou simpatizantes, e dessa forma consegue predominância ideológica.

Particularmente, não tenho crítica a esse processo de construção de hegemonia atual, porém, apenas pontuo que os representantes sacerdotais, os professores que repassam o conteúdo, e até aqueles que tem um espírito mais profundo e crítico a respeito do tema, possam elaborar e repassar seus conteúdos respeitando as outras “vertentes” da Umbanda. Pois sabemos, somos plurais, temos diversidades cosmológicas e filosóficas de nossas práticas e liturgias.

As vezes, um curso a distância, ao entrar em contanto com pessoas que desconhecem essas particularidades contextuais da Umbanda, pode não explanar muito bem que não existe a "vertente" correta, é necessário mostrar que existem aquelas vertentes que são hegemonicamente mais fortes e que isso é só um processo político e social. Não existe vertente correta e nem mais forte. O fato de um curso EAD ter mais alunos do que cursos presenciais de outros seguimentos não quer dizer que faça do EAD um fim em si mesmo. Aliás, o compromisso desses cursos se torna até mais importantes, pois precisam fundamentalmente entender que estão lidando essencialmente com o "empoderamento umbandista". Não entender esses fatores é desconsiderar as complexidades que envolvem a Umbanda, como resistência contra a intolerância religiosa e o fornecimento de bases realmente pedagógicas para a formação das identidades dos umbandistas não só por vertentes, mas sim pelo movimento da Umbanda como um todo. 

Hoje, a busca por hegemonia é cultural através da internet e das redes sociais. Que possamos entender que esse filme já se passou em diversos momentos da Umbanda no passado. Não trata-se de algo novo, trata-se apenas de mecanismos tecnológicos que transitam na mesma temática conceitual hegemônica por outros vieses. 

Seja por processos federativos, por congressos, ou hoje por exposição de conteúdo “doutrinário” ou “teológico” nas mídias. Que saibamos respeitar a pluralidade, que saibamos perceber as "Umbandas na Umbanda".




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