Bruxas (como entidades que se manifestam dentro de cultos de MACUMBA, QUIMBANDA e as vezes UMBANDA), num primeiro momento foram mulheres que vieram ao Brasil trazendo conhecimentos de feitiçaria e magia de determinadas culturas específicas. Dentre elas pretendo citar 3 fontes: 1.Stregheria Italiana, 2.Livro de São Cipriano e 3.Yami Osorongà.
1. Na Stregheria Italiana (mais conhecida como a "Velha Religião") foi um culto de origem Etrusca que data seu surgimento antes da institucionalização do cristianismo. Em essência reverenciava a deusa Diana, e Dianus Lux Ferre (Lucifer). O culto, que antes, era aberto e dividido por tradições falimiliares, acabou sendo perseguido pelos cristãos e teve seus rituais, liturgias e deidades demonizadas. Dessa forma passou a ser praticado de maneira velada e secreta, e qualquer pessoa que fosse descoberta ritualizando era condenada a algum tipo de pena (entre elas, a deportação para o continente americano).
2. O Livro de São Cipriano se tornou conhecido pelo fato de não ser um livro tão complexo como os Grimorios mais sofisticados. Era de fácil assimilação desde que a pessoa tivesse algum tipo de conhecimento das chaves demonólogicas e astrológicas. Muitas pessoas que não aceitavam o cristianismo, mas que não tinham como acessar obras renascentistas e iluministas (mais elitizadas), viam nas práticas ciprianicas uma saída ritualística para lidar com os infortúnios da vida.
3. Yami Osorongà, uma divindade de origem Yoruba, vista como o poder da ancestralidade coletiva feminina. No Vodum aparece como Nochê Naê. Mães ancestrais curandeiras, respeitadas e temidas, zeladores das existências e guardiãs dos destinos. As mulheres pertencentes ao grupo de devotos das Iyami são chamadas Ìyá-Agbà ou Ìya Aiyé (Mães do Universo, Mães Anciãs ou Veneráveis Mães Anciãs); os homens são chamados de Òsó (Bruxo, Feiticeiro).
É na Macumba urbana do final do século 20 que essas 3 influências vão se encontrar. No culto das Macumbas, práticas da Stregheria, Ciprianicas e conhecimentos dos segredos ligados às Yami Osorongà vão ajudar a complementar os ritos que em muito tinha se perdido entre o povo Bantu.
Pelo fato de terem acesso a conhecimentos dos ciclos lunares, talismãs, feitiços e encantos, e se conectarem com os segredos ancestrais femininos, a corruptela usada para nomeá-las foi "BRUXAS". Porém, assim como o senso comum chamava os KILUNDU (Ancestrais Bantu) de Exu de maneira pejorativa, chamar entidades femininas e feiticeiras de Bruxas tinha a mesma conotação negativa a princípio.
BRUXA foi uma nomenclatura pejorativa a princípio que pegou, e acabou se tornando usual, mas o segredo da manifestação dessas entidades é muito mais amplo.
Por isso, quando surge uma entidade no culto com o título de BRUXA, o que está atrelado a esse título é o fato dela se tratar de um espírito ancestral que também sofreu com perseguições e que estavam à margem do cristianismo, com conhecimentos ritualísticos específicos, e que no encontro cultural e religioso das periferias urbanas brasileiras puderam se fazer presentes e contribuir de alguma forma.
Os exemplos de entidades que são famosas e que se manifestam desde esse tempo são: a Pombogira Cacurucaia (Ligada aos segredos de Yami Osorongà); Feiticeira de Évora, Pombagira da Figueira, Cigana Diana e Exu Lucifer (Intimamente ligados à Stregheria Italiana e aos segredos do livro de São Cipriano).
Com o tempo muitas outras foram aparecendo, mas essas citadas são fundamentais para defendermos o nosso ponto.
É muito comum que alguns umbandistas pós modernos, que buscam renascer as raízes Bantu do culto de Umbanda se sintam desconfortáveis quando trazemos a questão das Bruxas a tona. Além de não entenderem que o termo BRUXA trata-se de uma corruptela, também não aceitam os desdobramentos históricos promovidos pelas diásporas internas do nosso país. Processos diaspóricos que fizeram com que elementos das culturas Bantu, Yoruba, Malê, Ibérica se integrassem de maneira orgânica na formação das Macumbas dos centros urbanos.
Quem já teve a real oportunidade de entrar em contato com essas "Bruxas", ou seja, com essas ancestrais da Stregheria, com profundo conhecimento ciprianico e tato em relação aos segredos de Yami Osorongà, pode realmente dizer o tamanho e a intensidade do trabalho dessas entidades.
A Macumba foi a primeira a dar espaço para as entidades desses troncos culturais, depois, o culto de Quimbanda deu espaço pra elas. Falta agora a "Umbanda Acadêmica" dar espaço pra elas também.
Por trás do discurso acadêmico que invalida as manifestações que não sejam puramente Bantu, está invisibilização e o machismo. Querer que as entidades femininas se manifestem mostrando apenas sombras do que uma corrente de pensamento acadêmico espera dela é no mínimo misógino, extremamente limitador da potencialidade ancestral presente no solo brasileiro.
A Quimbanda se mostrou mais flexível no século 20 e 21 em relação a essa pluralidade. Nela os ancestrais Bantu ficaram bem alocados no Reino da Terra, os ancestrais Indígenas no Reino das Matas, e conseguiram adequar as ancestrais ligadas à Stregheria, Ciprianicas e Yami Osorongà em outros reinos como do cemitério.
Mas à Umbanda, principalmente essa mais acadêmica que vem surgindo atualmente, falta flexibilidade e bom senso pra enxergar essa questão. Ainda estão na fase de fazer chacota com algo que não entendem, tudo por conta de um purismo que não é aderente a realidade do culto brasileiro...
Saravá as BRUXAS da Macumba Brasileira!!!!