29 de out. de 2016

Quando surgiu e quem fundou a Umbanda?


Este é um breve histórico do nascimento oficial da Umbanda, embora, antes da manifestação do Caboclo das Sete Encruzilhadas e do trabalho de Zélio Fernandino de Moraes, já houvesse atividades religiosas semelhantes ou próximas da prática umbandista, no que se convencionou chamar "macumba" (obviamente, o termo não empregado aqui com conotação negativa). No astral, a Umbanda antecipa-se em muito ao ano de 1908, e diversos segmentos localizam sua origem terrena em civilizações e continentes que já desapareceram.


Em 1908, Zélio Fernandino de Moraes, um rapaz de dezessete anos que se preparava para ingressar na Marinha, começou a apresentar o que a família, residente em Neves (RJ), considerou "ataques". Esses supostos ataques colocavam o rapaz na postura de um velho, que parecia ter vivido em outra época e que dizia coisas incompreensíveis para os familiares; noutros momentos, Zélio parecia uma espécie de felino, que parecia conhecer bem a natureza.

Após minucioso exame, o médico da família aconselhou o atendimento por um padre, uma vez que considerava que o rapaz estivesse possuído. Um familiar achou melhor levá-lo a um centro espírita, o que realmente foi feito: no dia 15 de novembro, Zélio foi convidado a tomar assento à mesa da sessão da Federação Espírita de Niterói, presidida à época por José de Souza.

Tomado por força alheia à sua vontade e infringindo o regulamento que proibia qualquer membro de ausentar-se a mesa, Zélio levantou-se e declarou: "aqui está faltando uma flor". Deixou a sala, foi até o jardim e voltou com uma flor, que colocou no centro da mesa, o que provocou alvoroço. Na sequência dos trabalhos, manifestaram-se, nos médiuns, espíritos apresentando-se como negros escravos e índios. O diretor dos trabalhos, então, alertou os espíritos sobre seu atraso espiritual, como se pensava comumente a época, convidou-os a se retirarem. Novamente uma força tomou Zélio e advertiu: "por que repelem a presença desses espíritos, se nem sequer se dignaram a ouvir suas mensagens? Será por causa de suas origens sociais e da cor?".

Durante o debate que se seguiu, procurou-se doutrinar o espírito, que demonstrava argumentação segura e sobriedade. Um médium vidente, então, lhe perguntou: "por que o irmão fala nesses termos, pretendendo que a direção aceite a manifestação de espíritos que, pelo grau de cultura que tiveram, quando encarnados, são claramente atrasados? Por que fala desse modo, se estou vendo que me dirijo, nesse momento, a um jesuíta, e a sua veste branca reflete uma aura de luz? E qual o seu nome irmão?". O interpelado, então , respondeu: "se querem um nome, que seja esse: sou o Caboclo das Sete Encruzilhadas, porque, para mim, não haverá caminhos fechados. O que você vê em mim, são restos de uma existência anterior. Fui padre e meu nome era Gabriel de Malagrida. Acusado de bruxaria, fui sacrificado na fogueira da Inquisição em Lisboa, no ano de 1761. Mas, em minha última existência física, Deus concedeu-me o privilégio de nascer como caboclo brasileiro".

A respeito da missão que trazia da Espiritualidade, anunciou: "se julgam atrasados os espíritos de negros e índios, devo dizer que amanhã estarei na casa de meu aparelho, às 20h, para dar início a um culto no qual esses irmãos poderão dar suas mensagens e, assim, cumprir missão a que o plano espiritual lhes confiou. Será uma religião que falará aos humildes, simbolizando a igualdade que deve existir entre todos os irmãos, encarnados e desencarnados.

Com ironia, o médium vidente perguntou-lhe: "julga o irmão que alguém assistirá o seu culto?". O Caboclo das Sete Encruzilhadas respondeu-lhe: "cada colina de Niterói atuará como porta-voz, anunciando o culto que amanhã iniciarei", concluindo que "Deus, em sua infinita bondade, estabeleceu na morte o grande nivelador universal, rico ou pobre, poderoso ou humilde, todos se tornam iguais na morte; mas vocês, homens preconceituosos, não contentes em estabelecer diferenças entre os vivos, procuram levar essas mesmas diferenças até mesmo além da barreira da morte. Por que não podem nos visitar esses humildes trabalhadores do espaço, se, apesar de não haverem sido pessoas socialmente importantes na Terra, também trazem importantes mensagens do além?".

No dia seguinte, 16 de novembro, na casa da família de Zélio, à rua Floriano Peixoto, número 30,perto da 20h, estavam os parentes mais próximos, amigos, vizinhos, membros da Federação Espírita e, fora da casa, uma multidão. Às 20h, manifestou-se o Caboclo das Sete Encruzilhadas e declarou o início do novo culto, no qual os espíritos de velhos escravos, que não encontravam campo de atuação em outros cultos africanistas, bem como de indígenas nativos do Brasil, trabalhariam em prol dos irmãos encarnados, independente de cor, raça, condição social e credo. No novo culto, encarnados e desencarnados atuariam motivados por princípios evangélicos e pela prática da caridade.

O Caboclo da Sete Encruzilhadas também estabeleceu as normas do novo culto: as sessões seriam das 20 às 22h, com atendimento gratuito e os participantes estariam uniformizados de branco. Quanto ao nome, seria Umbanda*: Manifestação do Espírito para a Caridade. A casa que se fundava teria o nome de Nossa Senhora da Piedade, inspirada em Maria, que recebeu os filhos nos braços. Assim, a casa receberia aquele que necessitasse de ajuda e conforto. Após ditar as normas, o caboclo respondeu a perguntas em latim e alemão, formuladas por sacerdotes ali presentes. Iniciaram-se, assim, os atendimentos, com diversas curas, inclusive a de um paralítico.

No mesmo dia, manifestou-se em Zélio um Preto Velho chamado Pai Antônio, o mesmo que havia sido considerado efeito da suposta loucura do médium. Com humildade e aparente timidez, recusava-se a sentar-se à mesa, com os presentes, argumentando: "nego num senta não, meu sinhô, nego fica aqui mesmo. Isso é coisa de sinhô branco e nego deve arrespeitá". Após insistência dos presentes, respondeu: "num carece preocupá, não. Nego fica no toco, que é lugar de nego". 
Esse episódio mostra certamente um convite de Pai Antônio à humildade, e não de submissão e dominação social.

Com palavras de humildade, o Preto Velho continuou a falar, quando alguém lhe perguntou se sentia falta de algo que havia deixado na Terra, ao que ele respondeu: "minha cachimba. Nego qué o pito que deixou no toco. Manda mureque buscá". Solicitava, assim, pela primeira vez, um dos instrumentos da nova religião. Também foi o primeiro a solicitar uma guia, até hoje usada pelos membros da tenda, conhecida carinhosamente como "Guia de Pai Antônio".

No dia seguinte houve verdadeira romaria à casa da família de Zélio, onde todos se sentiam confortados. Enfermos encontravam a cura, e médiuns, até então considerados loucos, encontravam terreno para desenvolver seus dons.

O Caboclo das Sete Encruzilhadas dedicou-se, então, a esclarecer e divulgar a Umbanda, auxiliado diretamente por Pai Antônio e pelo Caboclo Orixá Malê, experiente na anulação de trabalhos de baixa magia. No ano de 1918, o Caboclo das Sete Encruzilhadas recebeu ordens da Espiritualidade para fundar sete tendas, assim denominadas: Tenda Espírita Nossa Senhora da Guia, Tenda Espírita Nossa Senhora da Conceição, Tenda Espírita Santa Bárbara, Tenda Espírita São Pedro, Tenda Espírita Oxalá, Tenda Espírita São Jorge e Tenda Espírita São Jerônimo. Durante a encarnação de Zélio, a partir dessas primeiras tendas, foram fundadas outras 10 mil.

Mesmo não seguindo a carreira militar, pois o exercício da mediunidade não lhe permitiu, Zélio nunca fez da missão espiritual uma profissão. Pelo contrário, chegava a contribuir financeiramente, com parte de seu salário, para as tendas fundadas pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas, além de auxiliar os que se albergavam em sua casa. Também pelo conselho do caboclo, não aceitava cheques nem presentes.

Por determinação do caboclo, a ritualística era simples: cânticos baixos e harmoniosos, sem palmas ou atabaques, sem adereços, roupa branca e, sobretudo, sem corte (sacrifício de animais). A preparação do médium pautava-se no conhecimento da doutrina, com base no Evangelho, em banhos de ervas, amacis e concentração nos pontos da natureza.

Com o tempo e a diversidade ritualística, outros elementos incorporados ao culto, no que tange ao toque, ao canto, às palmas e às vestimentas; há mesmo casos de sacerdotes umbandistas que passaram a dedicar-se integralmente ao culto, cobrando, por exemplo, pelo jogo de búzios, porém sem nunca deixar de atender os que não podem pagar pelas consultas. No entanto, as sessões permanecem públicas e gratuitas, pautadas pela caridade e pela doação de médiuns. Também algumas casas, por influência dos Cultos de Nação, praticam o corte; contudo essa é uma das maiores diferenças entre a Umbanda dita tradicional e as casas que se utilizam de tal prática.

Depois de 55 anos à frente da Tenda Nossa Senhora da Piedade, Zélio passou a direção para as filhas Zélia e Zilméia, continuando, porém, a trabalhar juntamente de sua esposa, Isabel (médium do Caboclo Roxo), na Cabana de Pai Antônio, em Boca do Mato, em Cachoeira de Macacu (RJ).

Zélio Fernandino de Moraes faleceu no dia 3 de outubro de 1975, após 66 anos dedicados à Umbanda, que muito lhe agradece.

(*) Houve quem tivesse anotado, durante a incorporação do Caboclo das Sete Encruzilhadas anunciando o nome da nova religião, o nome "Allabanda", substituindo posteriormente por "Aumbanda". 


Por Ademir Barboza Júnior - Livro: Para conhecer a Umbanda

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