Não importa o quanto de opinião você tenha sobre as coisas, não importa o quanto você é capaz de dizer se concorda ou não com determinado assunto; se você não tiver uma base para sustentar o que opina e o que afirma você será sempre alguém alheio dentro do contexto ao qual tenta fazer parte.
Um filósofo que não leu Platão e Kant não é filósofo, um historiador que não leu Sergio Buarque de Holanda e Hobsbawm não é historiador, um sociólogo ou um advogado que não abriram um livro de Ciência Política não podem exercer suas funções. Tudo isso pelo fato de que para se colocar diretamente no meio em que vive, afirmando uma determinada identidade que você diz ser sua, é necessário trazer uma linha lógica que valide isso, do contrário tudo sempre se tangenciará como conjecturas.
Na teoria marxista diremos que uma pessoa sem referências a respeito daquilo que diz fazer parte é alguém alienado sobre a classe a qual está inserido. É impossível você representar uma classe se nem ao menos você se conscientiza a respeito das tramas que ela tem desenhada desde o momento de sua formatação. Uma feminista, a princípio pode não ter lido Simone de Beauvoir, Betty Friedan ou Marcia Tiburi, mas com o passar do tempo, ao se conscientizar das demandas a qual sua classe encontra-se sujeita, verá que precisa se inteirar de tais referências bibliográficas para conseguir defender o que pensa com propriedade do que fala.
É assim com todas as classes. Ou você se inteira do que os militantes de sua classe estão lendo e fazendo, ou do contrário você será apenas um espectro tentando afirmar uma identidade que pode ser sua sim, mas não conectada com a classe da qual diz fazer parte.
Um umbandista que não lê tentar afirmar para as pessoas sobre quais são os conceitos de sua religiosidade, sobre quais são os problemas que o umbandista enfrenta na sociedade, sobre os rumos que sua religião precisa tomar, é como um ermitão querer opinar sobre economia. Esse personagem encontra-se alheio a todo o movimento que está acontecendo ao seu redor e opinar é simplesmente um tiro na água, o máximo que consegue é levantar poeira com o que diz.
Acontece que a sociedade hoje impulsiona os seres humanos a enxergarem o ambiente social como um parque de diversões. Um lugar para você desembocar todas as cargas e carências afetivas de suas vidas em troca de aceitação e inflação do ego e de auto estima. As pessoas querem escolher uma "identidade social", se vestir com ela, sair de casa, encontrar as pessoas, expor o que pensam, e quando questionadas sobre tal "fantasia" simplesmente não conseguem responder. Tais pessoas não tem a referência sobre aquilo que elas mesmas tentam afirmar.
"Eu sou 'isso', mas não sei por cargas d'água o porque que, mas sou"...
Esse papo de que simplesmente "somos e pronto" é muito complicado, pois isso insulta diretamente aqueles que buscam representatividade e empoderamento sobre aquilo que "são".
Você lutar contra o preconceito que a sua classe sofre, você entrar em conflito com camadas da sociedade em nome daquilo que representa e de repente olhar pro lado e ver que alguém que diz ser da mesma classe que você falando e fazendo tudo ao contrário é algo grotesco. E pior, sem ao menos ter referências, baseada apenas em "atos e fantasias" ou "experiências".
É comum as pessoas falarem de experiência, dizer que "assim me sinto bem", "faço porque gosto". Mas essa liberdade só é possível porque muita gente lutou para isso. Muita gente levou borrachada em protesto para que você pudesse enfim dizer e viver como bem entende. O mínimo que se espera de alguém que vive nos moldes de uma determinada classe é que respeite a luta de seus ancestrais. É uma luta intelectual que precisa ser travada onde você rompe com essa ideologia mesquinha contemporânea de ser feliz a todo custo usando uma "fantasia", e vai atrás de entender a representatividade dessa "fantasia" que te enfeita.
Toda fantasia social tem uma carga simbólica por trás dela, tem mártires que morreram por ela. Um homossexual não é só gay pelo ato sexual, pois o ato em si muitos já fizeram as escondidas em variadas épocas. Um homossexual é em si na totalidade que envolve essa fantasia, se hoje ele pode transitar expressando sua sexualidade de maneira feminina ou não, não é simplesmente uma questão de opinião, mas sim de que movimentos foram feitos, lutas foram travadas para que tabus fossem caindo e as pessoas ditas "comuns" pudessem começar a olhar esses trânsitos com mais naturalidade.
Um umbandista não é ´umbandista só porque sabe fazer "mandinga". Umbandista em si também precisa entender o que aconteceu, para que hoje o preconceito não abatesse como no passado abateu muita gente que fez muito pela sua religião.
Cada um tem o direito de ser o que quiser, fazer o que quiser desde que não lese a dignidade do outro. O que acontece muito é que as pessoas querem vestir uma determinada "fantasia" e trazer questões para serem discutidas sem estarem preparadas para serem questionadas também.
Tem feministas que querem dizer sobre o feminismo mas não estão preparadas para responder sobre.
Tem religiosos que querem dizer sobre espiritualidade mas não estão preparados para responder algo sobre.
Tem homossexuais que querem dizer e questionar hábitos e costumes das pessoas mas não gostam quando alguém começa a questionar os hábitos dele.