Por: Fernando Ribeiro (Pirro D'Obá)
Na vida tudo é ciclo. Repetimos e repaginamos velhos conceitos para que possamos nos adaptar as estruturas atuais.
A religião é uma prova viva disso. Sabemos que o homem desde os primórdios corre atrás daquilo que lhe é sagrado. Através de uma busca constante ele criou ao longo das eras uma série de crenças e religiosidades que o auxilia na interpretação do mundo e do universo.
É interessante perceber que perspectivas de tipos de religiosidades diferentes, que muitas vezes se encontram distantes em tempo e espaço, constantemente se assemelham em muitos aspectos.
Uma religião já extinta pode apresentar atributos muito parecidos com de religiões contemporâneas. E essa semelhança não trata-se de mera coincidência. É necessário entender que os tempos mudam, a modernidade chega, mas o homem continua com características semelhantes.
O fato é que os seres humanos lidam com as mesmas questões há muito tempo. A fome, a sede, a convivência social e política, vícios, dilemas existenciais; fatos concretos da vida que tomam a mente do homem e o faz automaticamente ansiar por uma explicação e um sentido para tudo o que o rodeia.
Por exemplo, nos períodos de seca que fizeram diferentes civilizações simbolizarem fatores naturais regidos enfim por determinadas Divindades. Os egípcios diante da seca cultuaram Osíris, os gregos diante da seca cultuaram Deméter, os Iorubanos diante da seca cultuaram Ogum, os Tupi-Guaranis diante da seca cultuaram Sumá, os Católicos diante da seca cultuaram Isidoro. Ou seja, o homem se comunica com as mesmas situações utilizando de diferentes significados, mitos e símbolos. Em cada canto do globo e em cada época ele foi e é capaz de conversar com Divindades distantes mas que se assemelham quase que completamente nos arquétipos e no campo sagrado de atuação.
Reinventamos com o passar dos tempos Divindades que melhor se adaptam a nossa realidade atual. E foi dessa forma que Jesus nasceu.
Num período em que a humanidade já havia passado por oscilações diversas como guerras, caos, barbárie e também evoluções filosóficas, sociais e políticas, a figura de Jesus apareceu para humanidade fornecendo um símbolo moral e espiritual de conduta diferenciada.
Exemplos como o de Jesus foram também presentes em outras civilizações, como no caso egípcio na figura de Hórus, ou no caso Hinduísta na figura de Krishna, no caso Persa na figura de Mitra, no caso Romano na figura de Attis, e no caso Grego na figura de Dionísio. Todas essas figuras em suas mitologias nasceram de uma virgem, fizeram milagres, foram sacrificados e após morrerem ressuscitaram, e o mais interessante: tem seus nascimentos datados em 25 de dezembro (uma data simbólica e sincrética).
Isso demonstra que a humanidade em variadas épocas precisou cultuar uma figura específica que representasse a redenção, a humildade, a caridade, a benevolência gratuita e a inocência perante o mundo e seus aspectos sombrios. Diante da escuridão dos dilemas humanos, da escassez de recursos, da miséria, buscamos então a luz e o sol para abrilhantar o planeta dando cabo dos ciclos da vida e da natureza. Buscamos Divindades que representassem fatores do planeta e do universo, e assim essas figuras ganharam forma e sentido em nosso "inconsciente coletivo" (Carl Gustav Jung). As grandes figuras religiosas, que vieram ao mundo para trazer uma palavra de salvação representam aquilo que é raro de achar entre os humanos.
Claramente é fácil de observar que o ser humano não é bom em sua totalidade; o egoísmo, a vaidade, a avareza que carregam dentro de si unidos a tendências sádicas, vontade de controlar e de ter poder, sempre foram muito presentes em diversas sociedades. São impulsos que moram no íntimo de cada pessoa, e que ao longo de determinadas épocas figuras mitológicas que possam revitalizar a nossa fé surgem para oxigenar a convivência entre os humanos efetuando uma reforma íntima em quem tiver acesso a noção de sua representação [.auxiliando na lapidação de tais defeitos.].
Muitos podem criticar a comemoração do Natal por "não se tratar da data real" do nascimento de Jesus, outros podem até afirmar que Jesus nem existiu. Porém, não são essas as questões que interessam, mas sim o que esse mito toca no íntimo de nós seres humanos.
Não são raros os terreiros de Umbanda que ao lado da imagem de Jesus no altar colocam também imagens de outras Divindades de religiões já extintas. Hórus, Mitra, Attis, Dionísio, etc. Fazem isso pela simbologia, pelo que essas imagens carregam de mágico e semelhante ao grande salvador cristão. O terreiro não impõe que se acredite em Jesus, ou que nos apeguemos ao que a bíblia cristã diz sobre ele, mas sim que possamos nos sentir tocados pela figura de um homem que abriu mão de muitas coisas para poder auxiliar os homens que conheceu ao longo de suas andanças na Terra.
O natal é uma data como qualquer outra, mas que somos tocados em nosso íntimo pela figura de Jesus. Mesmo não sendo cristãos, mesmo não tendo uma religião específica, sabemos que ele foi e é uma das figuras que mais influenciam o inconsciente coletivo a respeito do que subentendemos como sendo o “bem”. Sua figura substituiu a de grandes nomes do passado, mas mantendo a mesma função: tocar o íntimo dos seres, fazer refletir sobre nosso papel no mundo.
Olhando a existência de uma maneira espiritualista, sabemos que todos os seres que na Terra habitam estão em evolução, ninguém nasce pronto. Uns são mais evoluídos, outros menos. Encontramos em nossa vida muitas pessoas de índole ruim, desatentas a questões de livre arbítrio e lei de retorno. E é teologicamente evidente que muitas dessas pessoas nunca pararam para refletir sobre seus caminhos e escolhas, mas que quando utilizamos a figura de Jesus como exemplo de bondade para tocar seus corações, podem mudar muito suas formas de olharem o mundo.
Muitos ateus respeitam a figura de Jesus, mesmo não crendo em sua existência, sabem do fator psicológico que seu mito transcende na mente das pessoas...
Comemorar o natal é celebrar a oportunidade que nós temos de nascer de novo, de olhar para nós mesmos, de mudar o que está errado, de reavaliar valores, escolhas, caminhos. Podemos comemorar nessa data o nascimento de muitas outras divindades de diversas religiões que comungam dos mesmos significados de Jesus. Podemos celebrar o nascimento de Mitra por exemplo, e no fundo saber que o que na realidade fazemos é colocar em destaque um "tipo de percepção" sobre outras. Ou seja, por um momento do ano sobrepor a caridade, a solidariedade, o amor ao próximo, tudo em destaque diante dos valores atuais e ranhurados que a sociedade capitalista nos impõe.
A verdade é que o Natal é amor!!! Simplesmente isso!!! Celebrar o Natal é celebrar a luz do sol que ilumina a noite, da luz que ilumina os cômodos, das ideias que instruem as mentes, da espiritualidade que alivia a alma.
O homem tem "conversado" com Divindades há muito tempo, procurando um caminho a seguir diante da loucura que é a vida. Jesus, Mitra, Oxalá, Dionísio, Krishna, Attis não são apenas Divindades que se sincretizam, antropologicamente demonstram a necessidade de termos uma base e um arquétipo ao qual possamos nos identificar, modelar nossas virtudes e lapidar os nossos vícios. No fundo o homem sozinho não sabe amar, e tais figuras nos servem para isso, para refletirmos sobre o amor toda vez que pensarmos neles.
Comemore o Natal, independente de crer ou não em Deus. Essa data não traz essa questão a tona, mas sim a proposição de refletirmos sobre valores, sobre objetivos de vida, sobre nossos vazios, sobre tudo aquilo que ainda não nasceu em nós. 25 de dezembro é mais antigo do que possamos imaginar, reformulamos o natal da forma como conhecemos hoje, mas já o celebramos de diferentes maneiras no passado, porém sempre com o mesmo objetivo, comemorar o nascimento de Divindades que nasceram [.seja em nossa psiquê coletiva ou espiritualmente.] para nos passar uma mensagem de paz, amor e harmonia.