Outro dia, estava dando uma palestra, quando alguém me fez “aquela” pergunta: professor, por que o senhor é cientista? Respondi que não podia ser outra coisa, que considerava um privilégio poder dedicar minha vida ao ensino e à pesquisa.
Mas o que de fato está por trás dessa profissão, ao menos para mim, é uma oportunidade única para criarmos algo de novo, algo que nos diferencie do resto.
A ciência oferece uma oportunidade para que possamos nos engajar com o “mistério”, como Einstein chamava nossa atração pelo desconhecido: “A emoção mais significativa que podemos sentir é o mistério.
Ela é o berço da verdadeira arte e da ciência. Quem não a conhece e não é mais capaz de se maravilhar, está mais morto do que vivo, como uma vela que se apagou”.
Einstein pôs as artes e as ciências sobre o mesmo patamar, frutos que são da criatividade humana. Para ele, nossas criações são produto desse questionamento incessante sobre quem somos e sobre o mundo à nossa volta.
A ciência abre portas para o desconhecido, para o que nos foge aos sentidos. Aquilo que não vemos ou ouvimos é tão real quanto o que percebemos.
Usamos instrumentos variados para amplificar nossa percepção da realidade, mesmo sabendo que nossa visão será sempre limitada: qualquer microscópio, telescópio ou detector tem alcance e precisão determinados pelo estado da tecnologia.
É claro que um telescópio do século 19 não pode competir com os telescópios mais avançados de hoje. Com isso, o que captamos da realidade depende de forma essencial daquilo que nossos instrumentos nos permitem ver.
Esse fato tem uma consequência importante: o que captamos do mundo depende das tecnologias que usamos. Ou seja, com o avanço delas, muda, muitas vezes, nossa visão de mundo.
Um exemplo que já usei aqui é o microscópio. A visão da vida antes e depois da invenção do microscópio mudou completamente. O instrumento, inventado ao fim do século 17, permitiu que víssemos criaturas invisíveis aos olhos.
Com isso, novas perguntas sobre a natureza da vida puderam ser feitas -perguntas que, antes da invenção do microscópio não eram nem vislumbradas.
Essa é uma lição importante, que elaboro no livro “Ilha do Conhecimento”: o conhecimento não evolve linearmente; cresce de forma imprevisível, interagindo com as tecnologias que temos ao nosso dispor.
Portanto, o mistério que nos cerca, e que tanto fascinava Einstein, estará sempre à nossa volta: não há como decifrá-lo por completo.
Isso dá uma conotação única à ciência. Sendo um caminho para o conhecimento, ela nos oferece uma oportunidade de estar sempre buscando, e crescendo com a busca.
O sentido da vida é dar sentido à vida. Não existe, ou deve existir, um fim. Pense num alpinista.
Ele se prepara para subir o pico que vê à sua frente e, depois de muito esforço, consegue. De lá de cima, pode fazer duas coisas: se dar por satisfeito e descer, ou olhar em torno e ver todos os picos que ainda não escalou.
A busca pelo conhecimento científico é assim: uma escalada por todos os picos que podemos encontrar. E quando conquistarmos todos eles, basta olhar para cima, e continuar nossa busca no espaço. “
Por: Marcelo Gleiser