Abordar temas relacionados ao universo da Umbanda nem sempre é tão fácil ou simples como muitos pensam ou tentam mostrar, nela verificamos uma diversidade de pensamentos que são traduzidos em uma pluralidade infinita de ritos. Ao falarmos destes temas devemos ter responsabilidade e clareza de idéias, sabermos diferenciar as coisas e creditar corretamente seus pontos principais, é isso que buscamos nessa "série" e convidamos os leitores independentemente das suas opiniões formadas à mergulharem conosco neste estudo que é também um resgate histórico da religião.
Chamamos Vertentes de Umbanda as "escolas" ou correntes de pensamento que praticam a religião umbandista por outros métodos e até por diferentes perspectivas, porém, não perderam as bases alicerçadas pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas, elas incluem ou não certos preceitos e rituais em suas realizações, possuem concepções próprias sobre o sagrado, podem recorrer ou não a determinadas obras literárias como guia base de doutrinação, enfim são todas as partes do "TODO" que constitui a Umbanda...
UMBANDA ESOTÉRICA, O INÍCIO...
Benjamin G. Figueiredo |
Não é consenso em todas as correntes de Umbanda que as manifestações ocorridas por volta de 1.920, com o médium Benjamin Gonçalves Figueiredo que manisfestara o Caboclo Mirim, seriam os primeiros passos de uma corrente "Esotérica e Iniciática" na religião, pois do próprio Caboclo o médium recebia novas orientações em uma sessão espírita, onde sua família praticava regularmente a doutrina. Orientações que seriam referentes ao novo modelo que passariam a praticar conhecido como Umbanda.
Quando afirmamos que estas colocações não são um "consenso", é porque, interpretações em livros ou de livres pensadores e até de militantes podem variar e se contradizerem inclusive em alguns casos deixam tais informações entrelinhas, nós entendemos que sim esse foi o marco inicial do movimento "Esotérico e Iniciático" da religião, em História da Umbanda- Uma Religião Brasileira de Alexandre Cumino, na página 89 do primeiro capítulo encontramos uma resumida definição sobre a Umbanda Esotérica e Iniciática do qual seu autor pontua..."Os fundamentos esotéricos da Umbanda foram organizados pela Tenda Espírita Mirim e apresentados, alguns deles, no Primeiro Congresso Brasileiro do Espiritismo de Umbanda..." Em outro trecho verificamos novamente esta afirmativa..."A primeira Escola Iniciática Umbandista foi o Primado de Umbanda, mais uma iniciativa do Caboclo Mirim..."
Então, 13 de Março de 1.924 no Rio de Janeiro foi fundada a Tenda Espírita Mirim sob a dirigência espiritual do Caboclo Mirim pelo aparelho Benjamin Figueiredo, uma nova organização com especificidades bem definidas, algumas delas listamos para uma melhor visualização e facilitação de entendimento:
- Influências de correntes filosóficas Ocultistas, Teosofistas e Espíritas Kardecistas.
- Aboliram o altar com santos católicos que representava o sincretismo com os Orixás, permanecendo apenas uma imagem de Cristo no centro e elevado acima das cabeças com a inscrição "O Médium Supremo".
- Atabaques foram trocados por tambores que eram tocados por Ogãs sentados.
- Uniformes brancos acompanhados de calçados fechados, o uso de guias também foi vetado bem como qualquer outro ornamento.
- Não praticavam em seus ritos as manifestações mediúnicas dos Exús e Pomba-Giras, porém reconheciam suas atuações.
Dos Orixás reconhecidos e cultuados pela Tenda Mirim encontramos Oxalá, Oxossi e (Jurema), Ogum, Iemanjá, Oxum, Nanã, Iansã e Xangô. Outro fator preponderante desse movimento eram os postos de hierarquia que constituíam toda a estrutura sacerdotal dos médiuns, essa é outra característica marcante das correntes Esotéricas e Iniciáticas ainda hoje, classificavam os trabalhadores conforme seu grau de desenvolvimento nas tarefas mediúnicas e trabalhos extras efetuados dentro do templo, sob rígidos critérios estabelecidos pois a disciplina era fator primordial na Tenda Mirim. No caso deles utilizavam-se de nomes da língua Nheengatu do tronco nativo Tupi, no excelente artigo "O LEGADO DE BENJAMIN FIGUEIREDO" que podemos verificar no Blog "Fraternidade Umbandista Luz de Aruanda", a lista dos postos hierárquicos são dispostos da seguinte maneira:
1º Grau: Bojámirins - Entidades dos médiuns Iniciantes (I)2º Grau: Bojás - Entidades dos médiuns de Banco (B)3º Grau: Bojáguassús - Entidades dos médiuns de Terreiro (T)4º Grau: Abarémirins - Entidades dos Sub-Chefes de Terreiros (SCT)5º Grau: Abarés - Entidades dos Chefes de Terreiros (CT)6º Grau: Abaréguassús - Entidades dos Sub Comandantes Chefes de Terreiros (SCCT)7º Grau: Morubixabas – Entidades dos Comandantes Chefes de Terreiros (CCT)
O processo de politização que visava além da expansão do movimento buscava também alguma maneira legitimar a religião por meios legais e civis, já que a discriminação e perseguição aos umbandistas eram recorrentes nestes tempos, os processos federativos dentro da Umbanda foram iniciados por Zélio de Moraes com orientação do Caboclo das Sete Encruzilhadas em 1.939, com a criação da União Espiritista de Umbanda do Brasil. Benjamim Figueiredo também orientado pelo seu "mentor", o Caboclo Mirim, fundava juntamente com outras lideranças filiadas as suas propostas em 1952 o Primado de Umbanda, onde fomentou diversas atividades que visavam: A uniformização dos cultos para os associados e confederados, inaugurou a Escola Iniciática e convergiu em articulações com outras lideranças, nascentes e as já conhecidas, para a organização dos segundo e terceiro congressos em 1961 e 1973 respectivamente. O Primado chefiado por Benjamin Figueiredo, cresceu como Instituição e agregou inúmeras Tendas de Umbanda em vários estados, juntou-se inclusive com lideranças de seguimentos distintos, segundo as fontes, sempre em busca de um denominador comum para a religião. Ainda hoje a "corrente de umbanda do Caboclo Mirim" é atuante e influente dentro do movimento.
Primado de Umbanda no Maracãnazinho – 1965 (Festa de IV Centenário da cidade do Rio) |
OUTRAS LIDERANÇAS...
Conforme citamos na primeira parte do texto a Umbanda é uma religião que abarca uma centena infinita de consciências e a cada grupamento de trabalho enfaixa determinantes aspectos que são pertinentes e necessários segundo suas próprias visões de mundo, além é claro dos seres espirituais que os dirigem. Ainda no terreno da Umbanda Esotérica encontramos alguns personagens que merecem nossa atenção, pois, muito contribuíram para o desenvolvimento da religião.
W.W. da Matta e Silva |
Woodrow Wilson da Matta e Silva mais conhecido como (W.W. da Matta e Silva), era o Mestre Ypacani da corrente de Umbanda Esotérica, fundador da Tenda Umbandista Oriental (T.U.O.), no estado do Rio de Janeiro. Sua relação com os fenômenos mediúnicos iniciou-se ainda na adolescência e aos 21 anos já dirigia seu próprio terreiro. A partir da década de 1950, Matta e Silva dirigido espiritualmente por Pai Guiné daria início corrente Iniciática e Esotérica na Umbanda.
Quando citamos o fato de que não é consenso por todas lideranças umbandistas e por seus pesquisadores sobre o surgimento da "escola" esotérica na cronologia histórica da religião após o advento do Caboclo das Sete Encruzilhadas. Identificar qual o período deu-se tais revelações e ajustamentos, se ocorreram com Benjamin Figueiredo ou com W.W. Matta e Silva, nesta pesquisa identificamos outros autores e trabalhos publicados na internet que creditam a W.W. Matta e Silva ser o anunciador de tal corrente.
Diamantino Fernandes Trindade que além discípulo da corrente é escritor, pesquisador e conhecido por muitos como o Historiador da Umbanda, em seu blog Mandala dos Orixás que inclusive indicamos em nosso mural, escreve sobre Matta e Silva..."Na década de 1950 ocorreu o terceiro evento importante do Movimento Umbandista por meio de W.W. da Matta e Silva, Mestre Yapacani que além de revolucionar conceitos doutrinários da Umbanda praticada até então, possibilitou através da sua mediunidade, as manifestações do Pai Guiné, o terceiro grande enviado do Astral para direcionar o Movimento Umbandista...". O direcionamento citado culminaria em 09 (nove) obras literárias e na instituição peculiar na forma de praticar Umbanda Esotérica e Iniciática. As obras publicadas por ele foram:
- Umbanda de Todos Nós.
- Umbanda - Sua Eterna Doutrina.
- Doutrina Secreta da Umbanda.
- Lições de Umbanda (e Quimbanda) na Palavra de um "Preto-Velho".
- Mistérios e Práticas na Lei de Umbanda (originalmente, Mistérios e Práticas da Lei de Umbanda).
- Segredos da Magia de Umbanda e Quimbanda.
- Umbanda e o Poder da Mediunidade.
- Umbanda do Brasil.
- Macumbas e Candomblés na Umbanda (não reeditada postumamente).
Outro autor que registra os feitos de W.W. da Matta e Silva e os credita como pioneiros no campo da Umbanda Esotérica é Rivas Neto, discípulo fiel do médium que além de sacerdote, escritor é reitor da Faculdade de Teologia Umbandista, registrou ainda na apresentação de seu livro "Umbanda A Proto-Síntese Cósmica" as seguintes palavras...
"...A partir de 1956, com o lançamento do livro Umbanda de Todos Nós, novo alento foi dado à Umbanda por Mestre Yapacany (W. W. da Matta e Silva) que viria mostrar o aspecto oculto do conhecimento trazido pelas entidades militantes nesse movimento. Em mais oito obras, Mestre Yapacany desenvolveu as bases da escrita sagrada da Lei de Pemba, a hierografia umbandista, apresentou os fundamentos da metafísica da Umbanda e revelou a conexão com o sistema cosmogônico ligado à cabala ário-egípcia, descrito em 1911 por Saint-Yves d'Alveydre em seu L'Archéomètre.Apesar de toda a contribuição filosófica e científica dada à Umbanda por Mestre Yapacany, na denominada Umbanda Esotérica, as mudanças práticas no sistema ritualístico foram modestas, considerando-se que a profundidade da doutrina era alcançada por poucos e raros iniciados, não havendo um método sistemático de transmissão de conhecimento, nem uma organização templária capaz de conduzir os neófitos aos patamares superiores da iniciação, a não ser que uma predisposição inata se fizesse sentir de maneira muito evidente..."
Como em todas as vertentes que existem na Umbanda, suas aplicações e explicações têm um conjunto de orientações que geralmente são segmentadas por obras literárias básicas, no caso da Umbanda Esotérica liderada por W.W da Matta e Silva foram nove registros que servem como condução para qualquer neófito, em especial o livro Umbanda de Todos Nós, traz aspectos bem particulares da visão de alguns fundamentos pelo autor que ainda hoje são pesquisados e reescritos em toda a Umbanda seja por novos pesquisadores ou novas lideranças afim de reinterpretá-las conduzindo seus assistidos para uma prática cada vez mais racionalizada. Assim seu autor define a Umbanda..."UMBANDA é a Lei Máter que regula os fenômenos das manifestações e comunicações entre os Espíritos do Mundo Astral e o Mundo da Forma.É a RELIGIÃO ORIGINAL, o próprio ELO VIVENTE revelado pelo VERBO CRIADOR que os Sacerdotes e Iniciados das antigas Escolas, em parte ocultaram e em parte ensinaram, perdendo-se depois no emaranhado das ambições e perseguições, confundindo-se, em ramificações, as poucas verdades que se conservam ainda, através de vários setores, ditos espiritualistas, filosóficos e religiosos..."
Alguns pontos que podemos observar na primeira obra de Matta e Silva, são conceitos e fundamentações sobre a Umbanda e sua origem, inclusive explicações acerca da palavra AUM BAN DA que surge das relações com grafias primárias que originaram todas as outras do alfabeto Adâmico ou Vatan a muito perdido no tempo...
Explicações acerca dos Orixás também podem ser encontradas, e à eles primeiramente não atribuiu os sincretismos formados com os santos católicos, como vemos em outras correntes com a compreensão e o alerta que a Umbanda não fosse um "apêndice" da religião católica. Apresenta o conceito de "Vibrações Originais" para os Orixás, com cada uma delas (vibrações) sendo chefiadas por 07 (sete) espíritos de Deus não incorporantes, ou seja, existem para cada linha original sete entidades personificadas como Caboclos que são os responsáveis cósmicos no plano material por estas vibrações...
- VIBRAÇÃO DE ORIXALÁ (ou OXALÁ)
- VIBRAÇÃO DE YEMANJÁ
- VIBRAÇÃO DE XANGÔ
- VIBRAÇÃO DE OGUM
- VIBRAÇÃO DE OXOSSI
- VIBRAÇÃO DE YORI
- VIBRAÇÃO DE YORIMÁ
É inegável os conhecimentos que W.W. da Matta e Silva proporcionou para os umbandistas e ainda proporciona nos tempos atuais com o conjunto de suas obras, tanto no meio esotérico como nas demais vertentes da religião sobretudo para aqueles que não são fechados à novos conhecimentos e se permitem alargar os horizontes.
A repercussão de seus livros nunca foram unanimes em aceitação e isso era fruto de uma característica própria do autor, não poupava críticas em seus textos à concepções e práticas que considerava inadequadas, era um combatente ferrenho da comercialização dentro da religião que já existia naquela época, e que continua até os dias atuais. Não percebemos nenhum envolvimento de sua vertente com movimentos federativos ou políticos, Matta e Silva se posicionava quase que sempre pelas obras literárias e no Jornal de Umbanda localizado à Rua Acre, 47, 6o andar, sala 608 segundo Diamantino Fernandes Trindade, desencarnou em 17 de Abril de 1988 no Rio de Janeiro.
CONCLUSÕES
Esperamos que os leitores tenham compreendido e estabelecido os marcos que iniciaram a corrente Esotérica e Iniciática, dentro do período histórico percorrido pela religião desde sua anunciação com o Caboclo das Sete Encruzilhadas em 1908.O que apresentamos são os fragmentos de uma ordem de acontecimentos com pessoas e instituições que dedicaram boa parte de suas existências em prol da Umbanda conforme suas próprias convicções e entendimentos.
Adiantamos aos que possam nos interpretar de maneira equivocada por termos estabelecido dentro do texto a apresentação primeiramente de Benjamin Figueiredo e posteriormente W.W da Matta e Silva como se um fosse seguidor do outro ou estivesse apenas realizando algo para "combater" a verdade alheia, afirmamos categoricamente que NÃO! Apenas organizamos os acontecimentos dentro de uma ideia cronológica linear, não fazemos nenhuma interconexão com os movimentos liderados pelos dois mesmo que existam algumas semelhanças, pois, entendemos que ambos fazem parte do cenário Esotérico e Iniciático da Umbanda mas realizaram isso cada qual por circunstâncias diferenciadas e respeitamos que não sejam aceitas pelos seguidores de ambos os movimentos e por diversos pesquisadores.
Reconhecer a importância da vertente dentro do movimento e suas realizações é nosso dever, entender que a verdade proclamada não é absoluta, é a consciência que todos devemos ter. Que a Umbanda jamais tenha qualquer codificação uniformizadora e poder central político que lembre outras religiões esses são nossos votos ! Axé e boa semana !
REFERÊNCIAS E LINKS
História da Umbanda no Brasil (Diamantino Fernandes Trindade)
História da Umbanda - Uma religião brasileira (Alexandre Cumino)
Umbanda a Proto-Síntese Cósmica (F. Rivas Neto)
Umbanda de Todos Nós (W.W. da Mata e Silva)
Fonte. http://www.nomundodasumbandas.com.br/