26 de jul. de 2018

Matrizes e Matizes



Quando é perguntado para um umbandista se a Umbanda é brasileira, a resposta vem de bate pronto, "Sim, ela é genuinamente brasileira". Não há dúvidas a respeito desse fato histórico.

Quando aprofundamos a questão e perguntamos ao umbandista se a Umbanda é uma religião de matriz africana, aí as respostas ficam mais divididas. Há quem diga que sim, que é uma religião brasileira com matriz africana; e há quem diga que não, que trata-se de uma religião brasileira sem matrizes.

Vale aqui salientar que o termo "matriz africana" é utilizado para designar religiões que carregam em sua formação forte laço com africanos e descendentes de africanos, semelhanças e essências culturais, e principalmente o envolvimento de panteões e divindades advindas da África.

É uma questão para muitos sem resposta concreta dentro da Umbanda. É dito por alguns que a religião de Umbanda é brasileira e que recebeu "influências" do cristianismo, do kardecismo, do candomblé e de elementos indígenas. Mas não aceitam dizer que ela é uma religião de matriz africana e nem indígena. Pois entendem que assim afirmado dá-se a conotação de perda do pertencimento essencialmente nacional a respeito de sua formação. Levam em conta a nacionalidade de seu anunciador, o solo no qual ela foi anunciada, porém alguns outros fatores não são levados em conta. E é a respeito desses fatores que eu quero argumentar nesse texto.

Quando dizemos que Zélio Fernandino de Moraes foi um anunciador da religião de Umbanda, o que queremos dizer com isso? 

Aprendi com alguns sacerdotes que o fundador da Umbanda é na verdade o Caboclo das 7 Encruzilhadas, e que precisou de Zélio e sua mediunidade para passar adiante a missão que lhe foi dada. Quando tentou se manifestar na federação espírita de Niterói, o Caboclo das 7 Encruzilhadas não foi aceito, e então disse que no dia seguinte daria início, na casa de Zélio, a um culto no qual espíritos de negros e índios iriam poder dar mensagens e cumprir a missão a qual o plano espiritual havia lhes confiado. Seria uma religião que falaria aos humildes, simbolizando a igualdade que deve existir entre todos os irmãos, encarnados e desencarnados.

No dia do novo culto, o Caboclo das 7 Encruzilhadas estabeleceu algumas normas, como dias e horários, e também falou a respeito da gratuidade dos atendimentos e da importância de se usar vestimenta branca nas reuniões.

Com o culto ocorrendo chegou o momento em que Pai Antônio (Preto Velho que acompanhava Zélio) se manifestou. Encurvado preferiu não se sentar a mesa e ficou no canto, sentado num pequeno banco. Pediu um cachimbo para fumar e dias depois solicitou que fosse feita uma guia, que ficou conhecida como "Guia de Pai Antônio".

Pai Antônio foi a entidade que compôs a maioria dos pontos cantados do novo culto, foi ele quem estabeleceu muitos dos rituais praticados. Revelou aos filhos da casa que havia sido um africano que chegou ao Brasil na escravidão, e que no antigo continente foi iniciado em um culto local. 

Com esses fatos em mãos, seria correto afirmar que a Umbanda não tem matrizes africanas e indígenas? Seria correto dizer assim como afirmou o escritor J. H. Motta de Oliveira que a Umbanda trata-se de uma religião "cristã por princípio, espírita por intuição, e que adora coisas da magia" e tirar dela o peso das iniciativas claras do Caboclo das 7 Encruzilhas e de Pai Antônio em sua formatação? 

Não seria correto dizer que ela na verdade é cristã, africana, e indígena por princípio? Estamos falando de sua essência... profunda, ampla, cheia de nuances; não trata-se apenas de um pertencimento material e pragmático, pois trata-se da transcendência espiritual de todos os agentes que participaram de seu nascimento, suas contribuições culturais, filosóficas.

Temos que lembrar também que escravos não eram cidadãos brasileiros, que estiveram em nosso solo a força, e que Pai Antônio ao inserir rituais no novo culto estava buscando no âmago algo que remetesse à liturgia da religiosidade que praticou em sua vida passada. 

O Caboclo das 7 Encruzilhadas ao utilizar o sumo vegetal em suas práticas estava resgatando algo que lhe remetesse ao bálsamo de sua vida anterior.

Quando sou questionado sobre a Umbanda ser brasileira, digo que sim, que ela é brasileira por ter sido anunciada por intermédio de Zélio em solo brasileiro. Mas quando tentam tirar da Umbanda suas matrizes africanas e indígenas eu não concordo, pois afirmar isso seria como apagar a contribuição do espírito de Pai Antônio (um africano) e do Caboclo das 7 Encruzilhadas (um indígena). Dois agentes primordiais da nossa religião, que mesmo tendo enraizadas suas vidas passadas, tiveram a humildade e a grandeza de colocar a filosofia cristã a frente da iniciativa dessa nova religião que anunciavam.

Não há como falar do nascimento da Umbanda sem essa tríade de seres espirituais grandiosos, Zélio Fernandino de Moraes, Caboclo das 7 Encruzilhadas, e Pai Antônio. 

A Umbanda tem fundamento, raízes, matrizes e matizes. Nãos neguemos isso jamais em nome de Oxalá!




Comentários
0 Comentários

Nenhum comentário:

Postar um comentário