3 de fev. de 2016

Utopia Umbandista



A palavra “utopia” num sentido geral pode denominar a construção imaginária de sociedades perfeitas. Significa toda idealização que aspira a transformação de uma ordem existente ou vigente. É a ideia de civilização ideal, fantástica, imaginária. É um sistema ou plano que parece irrealizável, ou uma fantasia, um devaneio, uma ilusão, um sonho, mas que fornece aos homens uma esperança romântica a respeito do que pode ser feito para melhorar o convívio junto aos seus semelhantes.

Do grego “ou+topos” que significa “lugar que não existe”.

Muitos dizem que Jesus Cristo era um ser humano com pensamentos utópicos. Pregava o amor ao próximo, uma vida com simplicidade e sem julgamentos dos semelhantes, sem apegos materiais, e acima de tudo colocando a perseverança como posicionamento diante das dificuldades. Esse posicionamento diante da vida demonstra claramente um idealismo e uma esperança de que os homens poderiam enfim chegar a um estado de espírito tamanho onde conseguiriam conviver entre si baseados em amor e companheirismo mútuo.

Toda religião carrega em si um espectro utópico na sua forma de olhar o ser humano. De certa forma as filosofias religiosas enxergam os seres humanos em suas imperfeições e buscam fornecer aos mesmos através de exemplos, arquétipos e doutrinas métodos de aprimoramentos de tais imperfeições.

As tendências e impulsos dos homens são abstratas para as religiões, e para que haja real evolução espiritual e moral é necessário que os adeptos de suas doutrinas busquem se reformar, ou seja, é necessário que sigam atrás de se tornarem pessoas cada vez melhores, a cada dia diferente do que se foi ontem e do que se é hoje.

E com a Umbanda não é diferente... Toda pessoa que pisa em nosso chão e decide ficar, automaticamente começa um trabalho utópico e reflexivo a respeito da vida, de si e de seus semelhantes.

Se antes tal pessoa não pensava de maneira ampla a respeito do que poderia ser feito para mudar algo no mundo, após adentrar a seara umbandista [.tendo acesso a simplicidade dos pretos velhos, a retidão dos caboclos e a ingenuidade dos erês.] percebe que dentro de toda a singeleza inscrita na estética dos cultos umbandistas se acomodam sabedorias e valores que instrumentalizam nos gestos mais singelos a forma de transformar a realidade das coisas ao redor.

Um sorriso, um abraço, uma palavra; gestos simples que caracterizam a essência umbandista, que crê firmemente na mudança positiva de humor através de um engajamento firme de si mesmo para com o próximo.

Mas, o terreiro de Umbanda, mesmo em sua simplicidade, encontra-se no meio social, cercado por complexidades que muitas vezes podem fugir ao controle...

...Grupos políticos existentes num país como o Brasil buscam através da burocracia jurídica representar ideais de determinados setores econômicos e sociais dominadores. Os latifundiários [.donos de terras e gados.], industriais, comerciários ligados a grandes corporações se unem em congresso ou em partidos para discutirem valores e interesses relacionados as suas realidades e interesses econômicos. Donos de empreiteiras, acionistas, pastores donos de igrejas evangélicas, hospitais, prestadores de serviços, grupos ligados a seguimentos econômicos que tentam mover a agenda de discussões sociais através do que muitas vezes serve aos seus interesses de um modo geral sem se preocupar com temas que realmente afligem o cotidiano dos cidadãos. São grupos que dominam o cenário político na tentativa de sobrepor seus valores e concepções acima da maioria...

Na sociedade presenciamos conflitos desses grupos que comandam os caminhos a serem traçados, enquanto que grupos que não tem o mesmo poder lutam para conseguirem seus direitos reconhecidos, ou pelo menos integrados na pauta de discussões políticas.

Nessa corrida por reconhecimentos, pressionando os grupos mais abastados e corporativistas encontram-se os negros, os homossexuais, as feministas, os portadores de alguma deficiência, os religiosos de crenças marginalizadas pela sociedade; grupos sociais minoritários de um modo geral que se encontram em inferioridade numérica ou em situação de subordinação sócio-econômica, política ou cultural, em relação a outro grupo, que é maioritário ou dominante.

A princípio, quando alguém chega na Umbanda, pode não perceber em que ponto nós umbandistas estamos inseridos nesse contexto sociológico [.em que grupos dominantes tentam impor seus valores e interesses sem reconhecer os direitos das minorias.]. Talvez seja até complexo ter a dimensão do quanto nós umbandistas já sofremos por preconceitos, quantas oportunidades de trabalho perdemos numa empresa com valores católicos e evangélicos, quantas pessoas foram discriminadas simplesmente por vestirem o branco e praticarem a caridade.

Pois é, a princípio é possível não perceber, mas a Umbanda se enquadra entre os grupos sociais ligados as minorias, que encontra-se em situação de subordinação e que luta constantemente para ter seus direitos reconhecidos. A Umbanda é utópica em acreditar que um dia poderemos todos viver em harmonia no meio de outras religiões e perspectivas plurais da realidade. Que possamos aceitar as diferenças entre as pessoas de um modo geral.

Mesmo sabendo que não chegamos nesse patamar, lutamos para que a cada dia, a cada mês e a cada ano avancemos alguns passos na concretização da igualdade entre as pessoas e as religiões.

Essa consciência política do umbandista é totalmente necessária nos dias de hoje. Não é uma questão de estar de acordo com partido X ou Y, mas sim de entender que “política” foge muito do que é dito nos canais de televisão, que tentam balizar todo o contexto somente ao que tenha ligação com a economia e a globalização.

A política ao qual o umbandista está integrado utopicamente é de cunho social. Mesmo que façamos nossas giras, que forneçamos alimentos e roupas aos necessitados, precisamos nos engajar no sentido de buscar o reconhecimento da Umbanda como uma religião tão presencial no cotidiano como qualquer outra.

Apenas nos engajando utopicamente é que veremos o umbandista não mais levando pedrada de evangélicos fanáticos no meio da rua, ou não mais presenciaremos terreiros sendo incendiados por fundamentalismos preconceituosos.

As vezes ouvimos alguns irmãos afirmarem que nunca foram discriminados, e por isso não ligam muito para tais questões. O que sempre respondo é que tal irmão não espere acontecer, mas que analise as estatísticas de outros irmãos umbandistas espalhados pelo resto do Brasil. São inúmeros casos de discriminação onde o umbandista é xingado, rechaçado, tido como demoníaco, “do mal”. São situações das mais asquerosas e que precisam ser combatidas.

A verdade é que da utopia de Jesus Cristo, as religiões que mais utilizam seu nome nem se quer passam perto do seu exemplo deixado. Jesus não teceu nenhum comentário contra homossexuais, contra cultos religiosos diferentes dos seus, contra opções de vida diferentes da sua. A única coisa que ele pediu é para que amássemos uns aos outros como a nós mesmos.

Diante da má interpretação a respeito dos ensinamentos cristãos, não resta apenas ao umbandista utilizar de seus ritos para fazer com que as coisas mudem, é necessário começar a entender as bases legais que nos dão o direito de transitar com liberdade e afirmar o que somos e o que fazemos sem receio de retaliação.

Nossa utopia umbandista é ver a sociedade equilibrada, e para isso é necessário nosso engajamento espiritual, moral, político e jurídico. Quando não mais tivermos casos como os que temos presenciado e quando houver real punição aos que nos agridem com palavras e atitudes, aí veremos que nossa idealização saiu dos sonhos e enfim se tornou realidade.


Um comentário:

  1. Você consegue colocar a Umbanda em perspectivas fantásticas Fernando!!!
    E com certeza, temo que lutar muito para conseguir levar ela onde não haja descriminação e preconceito. É uma tarefa de todo Umbandista!!!
    Axé!!! Continue sempre com essa mente brilhante!!

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